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Flavio Quintela

Flavio Quintela

Urna eletrônica

Ainda bem que o TSE é perfeito

Urna eletrônica modelo 2020 utilizada pelo TSE nas eleições. (Foto: Divulgação / TSE)

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Deixemos de lado o tema “fraude eleitoral” e concentremo-nos nas urnas eletrônicas usadas pelo Brasil. Sim, as mesmas que o TSE classifica como seguras e invioláveis, que formam a base de um sistema que a grande imprensa teima em chamar de “exemplo para o mundo”, ainda que não haja um país sequer desse mundo que tenha pedido ao Brasil que compartilhasse de tamanha perfeição. Essas urnas, as perfeitas, são tão ruins quanto tudo o que o Brasil produz na esfera estatal.

O fato é que, uma vez digitado o número do candidato naquela maquininha, o eleitor não tem como verificar se o seu voto foi contado da maneira correta. Não há meios para tal conferência. Não há comprovante impresso, não há voto que tenha sido lido por uma máquina, não há possibilidade de recontagem, só há um sinal eletrônico cuja integridade está baseada única e simplesmente na “palavra de honra” do TSE.

Muito se tem escrito sobre a rapidez com que a apuração ocorre no Brasil. Os que defendem o nosso sistema usam a rapidez como argumento positivo. “Olhe para nós, mundo, e veja como somos rápidos na conclusão de nossas eleições. Morram de inveja”. Já os críticos afirmam que em nenhum lugar desenvolvido do mundo a apuração é tão rápida quanto no Brasil. Eu digo apenas uma coisa: olhemos para a Flórida.

A Flórida não tem um sistema de urnas como o do Brasil, sem possibilidades de auditoria, mas mesmo assim apura seus votos rapidamente

Embora seja o terceiro estado com mais eleitores do país, a Flórida apurou os votos das eleições deste ano em tempo recorde, muito à frente dos outros grandes estados norte-americanos e também de estados menores, com apenas uma fração dos votos a serem contados. E a Flórida não tem um sistema de urnas como o do Brasil, sem possibilidades de auditoria.

O eleitor floridiano vota com calma, em sua casa, se assim quiser. Ele retira a cédula e vota com calma para cada um dos muitos cargos que estão em disputa. Governador, deputado estadual, senador estadual, deputado federal, senador federal, comissário de Agricultura, membro do Conselho Escolar, promotor público, xerife etc. A cédula é enorme, leva um bom tempo para preencher. E o voto é facultativo, é claro. E é esse voto no papel que inicia o processo eleitoral. Obviamente, não foi contando votos no papel que a Flórida conseguiu a façanha de ser um dos primeiros estados a entregar os números finais. O que a Flórida fez foi organizar seu sistema eleitoral para, ao mesmo tempo, prevenir fraudes e apurar com rapidez e lisura.

Mas qual foi a grande sacada da Flórida? Muito fácil. Basta escanear as cédulas e você tem o melhor dos dois mundos: contagem rápida e material de verificação.

No Brasil, pelo fato de o TSE ser tão enfático em relação à inviolabilidade das urnas, não temos nenhum caminho técnico para auditar os votos. Somos obrigados a confiar de olhos vendados. O pedido do PL nem sequer abordou esse aspecto das urnas. O que eles fizeram ali foi se basear em apenas uma categoria de classificação das urnas e pedir que, devido à unicidade do parâmetro de identificação das máquinas – sem código único de identificação, urnas diversas foram agrupadas sob o mesmo valor de identidade e, portanto, não podem ser consideradas como auditáveis sob nenhuma circunstância –, essas urnas sejam desconsideradas na composição do resultado final.

Felizmente, o Brasil tem o TSE (aviso: isso foi uma ironia). O governo brasileiro é um exemplo de má gestão em quase tudo o que faz, mas o TSE é perfeito. E o chefe do TSE é o mais perfeito dos homens perfeitos. E, já que ele é tão perfeito, não faz sentido limitar suas decisões a assuntos eleitorais. Melhor mesmo que ele decida sobre tudo. Precisamos cassar o passaporte de um jornalista? O nosso homem perfeito emitirá a ordem. Alguém ousou questionar o sistema eleitoral perfeito? O nosso homem perfeito indeferirá o questionamento e tascará uma multa de deboche na entidade que intentou tamanho ataque à democracia brasileira.

Parece ironia – e é –, mas é assim que a maior parte da imprensa brasileira tem tratado Alexandre de Moraes. Referem-se a ele como um herói, como a força a defender nossa frágil democracia contra inimigos terríveis. Ignoram tudo de ruim que esse homem já fez ao país só porque os alvos de sua ira são inimigos políticos da beautiful people midiática brasileira. “Ignorantes”, gritam, “golpistas!”. Na cabeça dos iluminados, esse povo merece ser surrado pelo chicote alexandrino, com seu alcance quase infinito.

Como já me expressei em minha conta de Twitter, não consigo ver outra explicação para esse tipo de comportamento que não seja a total falta de inteligência dessa gente, ou a total falta de caráter. Ou os dois. Afinal, só alguém muito embotado para não enxergar o perigo que é entregar essa quantidade enorme de poder nas mãos de apenas um homem. Ou alguém muito sem princípios, sem moral e sem caráter, que concorde com os arroubos ditatoriais do Judiciário brasileiro somente porque, nesse momento, eles estejam voltados a inimigos de ocasião.

A história cobrará um preço alto. Essas pessoas serão desmoralizadas e cuspidas pelo rei calvo como um caroço de fruta. Será tarde demais. Não terá sobrado ninguém para lutar por elas.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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