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Flavio Quintela

Flavio Quintela

Basta a cada dia o seu mal

Já faz mais de seis meses que um grande amigo faleceu em decorrência de um câncer extremamente agressivo. Ele tinha poucos anos a mais que eu e deixou esposa e dois filhos pequenos. Na época, sua morte me atingiu em cheio. O câncer é como a violência: você sabe que morrem milhares de pessoas todos os dias em decorrência deles, mas somente quando morre alguém muito próximo é que você sente que pode ser a próxima vítima.

Pouco tempo depois que meu amigo se foi, minha esposa veio me contar que uma certa fotógrafa brasileira estava com câncer em estágio avançado. Perguntei se era conhecida dela, recebi como resposta que não, apenas a seguia nas redes sociais. Mais algumas semanas se passaram e fiquei sabendo que a mãe de um antigo colega de trabalho havia falecido, também de câncer. Novamente, a notícia veio por meio das redes sociais, em um daqueles posts de luto tão tristes de se ler.

Em meio a tantas pessoas atingidas pela mesma amaldiçoada doença, um certo pavor tomou conta de nós dois. Será que devemos nos preocupar? Será que hoje em dia o câncer é muito mais comum? Se sim, seria por causa das ondas eletromagnéticas que nos atravessam diuturnamente? Ou seria porque comemos alimentos industrializados, aspartame, glúten, carne vermelha, açúcar refinado, verduras e frutas contaminadas com defensivos agrícolas, proteína animal com hormônios e tantos outros vilões já mencionados em inúmeras reportagens a respeito do câncer?

A causa da falsa sensação de que o câncer e outras tragédias estejam cada vez piores é a crescente conectividade das pessoas

Para evitar preocupações inúteis, resolvi fazer uma pesquisa. Confesso que, além desses casos que citei e mais alguns outros de pessoas famosas, um outro fator que me fez buscar informações foi a implementação da tecnologia 5G nas redes celulares do mundo todo, assunto que andou povoando os grupos de WhatsApp com teorias conspiratórias e estatísticas apavorantes. Como engenheiro eletricista que trabalhou vários anos com sistemas de telefonia celular, não podia deixar que algo assim me causasse qualquer preocupação a mais na vida.

Depois de pesquisar dados de diversos órgãos governamentais e não governamentais atuantes na prevenção, tratamento, pesquisa e cura dos mais variados tipos de câncer, obtive os seguintes dados:

Nos últimos 25 anos, o número de novos casos de câncer para cada 100 mil habitantes (média mundial) caiu de 503 para 415, e o número de mortes por câncer caiu de 213 para 155. Lembrando que os primeiros telefones celulares foram lançados comercialmente em 1983, mas somente na década de 1990 é que se tornaram populares, e somente em 2001 se atingiu a marca de 1 bilhão de celulares em uso;

A partir de 1950, a taxa de mortalidade de quase todos os tipos de câncer vem caindo ano a ano, com exceção dos cânceres de pulmão, colo e reto, que só apresentaram queda substancial depois de 1990. Vale ressaltar que esse período abrange todo o ciclo de industrialização da comida e desenvolvimento do agronegócio em larga escala, bem como o início do uso de adoçantes como aspartame e sucralose, ambos pós-1980.

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Ou seja, em termos porcentuais, o câncer não vem se tornando mais comum e nem mais mortífero. Muito pelo contrário, tanto sua incidência quanto sua mortalidade têm diminuído. O que tem aumentado – e aqui se encontra a causa dessa falsa sensação de que essa doença está cada vez pior – é a conectividade das pessoas. Antigamente, você saberia somente dos casos de pessoas próximas, geralmente familiares, amigos ou colegas de trabalho. A única exceção eram os famosos, em quantidade muito menor que hoje. Minha esposa, por exemplo, jamais teria sabido da fotógrafa que citei no início do texto se vivêssemos 30 anos atrás. Naquela época, para espanto de alguns leitores mais jovens, não existia Google. Usávamos um troço chamado “lista telefônica” para achar o telefone das pessoas e dos estabelecimentos comerciais, e achar esses dados de alguém que morasse longe era extremamente difícil. A única chance era ligar para o “Auxílio à Lista” e torcer para que eles tivessem a informação. Portanto, a fotógrafa em questão estaria conectada apenas à sua comunidade local, e somente essa comunidade é que saberia de sua doença.

O mesmo se aplica à mãe de meu antigo colega de trabalho, com quem nunca mais conversei depois que saí da empresa onde trabalhávamos juntos, mas que me encontrou no Facebook alguns anos atrás. Provavelmente, passaríamos nossas vidas sem saber nada um do outro se vivêssemos antes do advento das redes sociais. Mesmo a internet pré-Orkut de nada adiantaria para nos conectar. E eu jamais teria conhecimento do sofrido fim de sua querida mãezinha, que Deus a tenha.

As palavras sábias de Jesus são o contraponto perfeito para a loucura do excesso de informação

Agora, depois de ter lido tudo isso com respeito ao câncer, aplique o mesmo conceito para diversos outros tópicos, e me responda: não lhe parece que estejamos submetidos a uma carga excessiva de estresse amplificado pela conectividade, e que isso está muito longe de ser saudável? É um tema abrangente, e que pode render outros textos nesta coluna. Mas, para não terminar sem uma conclusão e um aprendizado, recorro ao Mestre dos Mestres, Jesus Cristo, que disse:

Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?

Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas; Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.

Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal. (Mateus 6, 25-34)

As palavras sábias de Jesus são o contraponto perfeito para a loucura do excesso de informação. Que elas lhe sirvam de material para meditação quando o ruído do mundo estiver soando alto demais em sua mente.

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