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Quem quer que tenha acompanhado o mercado imobiliário residencial norte-americano nos últimos seis meses já percebeu que há um quê de loucura no volume de transações e nos preços. Principalmente em estados-destino, como Flórida, Texas e Arizona, imóveis residenciais têm sido vendidos acima do preço pedido e em tempo recorde. Casas na faixa de US$ 250 mil a US$ 300 mil não duram nem dois dias no mercado, e para cada uma listada no mercado há pelo menos dez compradores fazendo ofertas, uma verdadeira competição. Obviamente, diante de tamanha demanda, os preços têm subido vertiginosamente. Quando consideradas as 25 áreas metropolitanas dos Estados Unidos com maior valorização imobiliária, houve um aumento médio de quase 14% no preço do metro quadrado somente nos últimos 12 meses.
Diante desse fenômeno, não é difícil encontrar gente dizendo que estamos rumando a mais uma bolha imobiliária que, ao explodir, jogará os Estados Unidos e o resto do mundo em uma nova crise econômica, um novo 2008. Mas, afinal, isso é verdade? Em minha modesta opinião, a resposta é não.
Em 2008 realmente havia uma bolha. Agora, em 2021, o que está ocorrendo é uma valorização com lastro
A bolha de 2008 era, de fato, uma bolha. Ou seja, uma casca fina sem nada dentro, que estoura assim que sua tensão de superfície é rompida por agente externo. Naquela época, os americanos compravam casas como se fossem bens de consumo. Tinham a ilusão de que poderiam comprar um imóvel com uma pequena entrada, financiar o restante em 30 anos, alugar o imóvel e pagar o financiamento com o dinheiro do aluguel. Em outras palavras, a ilusão de acumular imóveis tendo de pagar apenas a entrada. E isso aconteceu porque pessoas que até então não se qualificariam para um empréstimo imobiliário passaram a se qualificar com os chamados empréstimos “subprime”. A coisa era tão fácil que bastava ao comprador declarar uma renda suficiente e as financeiras aceitavam, praticamente sem necessidade de comprovação. Em decorrência disso, muita gente chegou a comprar três ou quatro imóveis nesse esquema, acreditando que todos permaneceriam alugados e sendo autopagos pelos próximos 30 anos.
Na onda da alta de vendas, construtoras inundaram o mercado com novas casas e apartamentos, pois tudo o que era colocado à venda era rapidamente vendido. Não demorou muito para que o mercado se saturasse e não houvesse mais gente para alugar esse monte de casas de investimento. Sem ter para quem alugar, os proprietários não conseguiam pagar as parcelas do financiamento. Sem pagar, as casas entravam em processo de “foreclosure”, que é a tomada do imóvel pela financeira. As financeiras, por sua vez, acumularam um estoque enorme de imóveis para os quais não havia compradores, o que derrubou os preços drasticamente e desencadeou a crise econômica que vivemos mais de dez anos atrás.
O que há de diferente em 2021? Pode-se dizer que há uma nova bolha? Em princípio, não. O crescimento do mercado atual está baseado em vendas com lastro. Depois de toda a tragédia da crise de 2008, tanto mercado como governo atuaram para regular os empréstimos imobiliários. Assim, em vez de declarar sua renda, o comprador precisa passar por um processo árduo de comprovação, no qual qualquer tropeço pode ser motivo de não aprovação. As exigências atuais incluem um mínimo de dois anos de renda comprovada através de declaração de imposto de renda, sendo que salários de empresários só podem ser considerados caso a empresa tenha apresentado lucro nos últimos dois exercícios fiscais. Para saber se a parcela caberá no bolso do comprador, consideram-se todas as dívidas de cartão de crédito, financiamento de veículos, contas de água e luz, condomínio e outras despesas fixas mensais. Se, após tudo isso, a relação renda x despesas ainda se mantiver acima de um determinado patamar, o empréstimo é aprovado.
Mesmo com todo esse cuidado, e com muita gente fora do jogo por não satisfazer essas regras, as casas estão sendo vendidas rapidamente. A primeira razão para isso é a migração interna. Como mencionado no primeiro parágrafo, as pessoas estão fugindo dos estados com mais impostos, neve e violência para lugares com custo de vida mais baixo, clima mais agradável e menos impostos. Estima-se que cerca de mil americanos se mudam para a Flórida todos os dias.
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O segundo fator é a pandemia. Depois de quase um ano em casa, muita gente resolveu se mudar para uma casa maior e melhor. Afinal, nunca se sabe quando a próxima pandemia virá. E há ainda o efeito colateral do trabalho remoto, que parece ter vindo para ficar. Muitos profissionais não planejam voltar para um escritório. Em vez disso, aplicarão o dinheiro de aluguel comercial e de gastos com transporte para pagar um financiamento maior e ter uma casa mais ampla e com espaço dedicado de trabalho. Por fim, as taxas de juros estão na casa de 3% ao ano, algo que há muito tempo não se via.
As pessoas estão fugindo dos estados com mais impostos, neve e violência para lugares com custo de vida mais baixo, clima mais agradável e menos impostos
Como se pode ver, não há bolha quando o que está dentro é mais que mero ar. Isso não significa que os preços não vão cair. Assim que o mercado pender um pouco mais para o equilíbrio, as propriedades levarão mais dias para ser vendidas, haverá mais estoque de imóveis, compradores poderão barganhar e, finalmente, os preços poderão estacionar ou começar a cair. Mas, como não há aquele fator da compra desenfreada para alugar, do imóvel de investimento, não há perspectiva de estouro. O que pode e deve acontecer é um ajuste de preços para baixo, e quem acaba sofrendo perdas são os que compraram na alta. Desde que essa queda não seja meteórica, não há risco de quebradeira. As pessoas deixam de pagar seus financiamentos e abandonam suas casas somente se o valor corrigido do imóvel ficar tão abaixo do valor pago que não seja mais lógico continuar pagando. Foi isso que aconteceu em 2008. O sujeito que comprou uma casa de US$ 400 mil de repente se viu pagando um financiamento desse valor numa casa que agora só valia US$ 250 mil. É o que se chama aqui de “negative equity”, ou seja, mesmo se a pessoa vender o imóvel ela ainda fica devendo muito.
O risco no momento é de se comprar no pico. E a pergunta mais importante, portanto, é: estamos no pico? Pessoalmente, creio que não. Pelo que tenho acompanhado deste mercado e pela movimentação das grandes construtoras, não vejo grandes mudanças nos próximos 8 a 12 meses. Nesse sentido, acredito que os preços ainda têm espaço para subir. Depois disso, não dá para dizer muita coisa. Eu já estaria milionário se soubesse prever o futuro.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos