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Eu juro que tenho tentado não falar do Bolsonaro nessa coluna. Mas ele não colabora. Juro também que tentei pensar em alguma justificativa lógica para o tal passeio de motocicleta que aconteceu no último fim de semana, no Rio de Janeiro. Eu queria achar, de verdade, para não parecer implicância minha. Mas não consegui. Assim, só me resta falar desse assunto e registrar para a posteridade minha indignação.
Mas voltemos ao início. Nossa história começa em um país em situação bastante crítica, em todos os aspectos. A pandemia, que já se arrasta por quase um ano e meio, vai deixando sequelas tanto na economia quanto no próprio tecido social brasileiro. O país vive hoje uma realidade que será lembrada, muito provavelmente, como um dos períodos mais difíceis da história da nação.
Se há uma coisa que podemos dizer com muita certeza é que o bolsonarismo e o petismo são gêmeos separados no nascimento
Sejamos sinceros: mesmo antes do famigerado ano de 2020, o Brasil já era um caso crítico. Era um país cujo destino só poderia melhorar significativamente caso um verdadeiro estadista fosse eleito presidente. Infelizmente, no Brasil de hoje estadistas são como unicórnios. Já é difícil encontrar um estadista por aí, no restante do mundo. Aqui, em meio a um dos sistemas políticos mais corruptos do planeta, a tarefa está mais para enredo de conto de fadas.
Após mais de uma década de PT no poder, o povo brasileiro escolheu alguém muito bem capacitado para continuar a destruição petista. Bolsonaro veio para virar o país do avesso. Saíram as bandeiras vermelhas, entraram as verde e amarelas. E só. A militância raivosa, o ódio irrestrito à imprensa, a adoração a um líder político, a capacidade de justificar quaisquer ações do governo por mais absurdas que sejam, nada disso mudou. Se há uma coisa que podemos dizer com muita certeza é que o bolsonarismo e o petismo são gêmeos separados no nascimento.
Diz a versão mais realista do ditado popular que de onde menos se espera é que nada vem mesmo. E é exatamente isso que acontece com Bolsonaro. Ele é o contrário de um estadista. Ele debocha da morte e desrespeita o bom senso. Ele faz questão de ser tosco e de provar, dia após dia, que não ficou 30 anos enterrado num canto do Congresso, sem fazer nada que prestasse, sem motivo. Ele não sabe fazer nada de bom. É basicamente isso. Deparado com decisões entre coisas boas, neutras e ruins, ele pende sempre para o pior.
Sair com milhares de motociclistas pelas ruas do Rio de Janeiro é a cereja desse bolo nefasto chamado bolsonarismo. Em primeiro lugar, um evento desses não faz sentido sob nenhum aspecto que não o de campanha política. E não estamos em época de campanha. Nada mais absurdo, portanto, que o presidente da República – cujos deslocamentos públicos precisam ser protegidos pelo aparato policial do Estado – saindo por aí sem nenhuma razão ou justificativa. O que se viu no Rio foi o populismo mais escancarado possível, o mesmo tipo de estratégia política usada por todos os caudilhos e salvadores da pátria que já pisaram nessa terra politicamente amaldiçoada que é a América do Sul.
O passeio de moto pelo Rio é justificável apenas na mente binária e pré-histórica dos apoiadores mais fanáticos do mito
Injustificável pelos riscos relacionados à pandemia, injustificável pelo alocamento dos já escassos recursos públicos para proteger a vida do presidente, injustificável pelo caráter de campanha fora de época, injustificável para com o pagador de impostos, injustificável pela falta de empatia para com as dezenas de milhares de famílias que perderam seus queridos para o coronavírus.
Justificável apenas na mente binária e pré-histórica dos apoiadores mais fanáticos do mito: há de se mostrar o apoio popular ao melhor presidente de todos os tempos, àquele que foi enviado por Deus para salvar o Brasil, para lutar e derrotar os comunistas e estabelecer a paz. Para esses, a não ser que Bolsonaro quebre um crucifixo em praça pública e declare apoio incondicional ao aborto, ele será sempre justificado em seus atos.
Ou o Brasil encontra a tal da terceira via, ou abriremos mais um alçapão no fundo do buraco.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos