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Flavio Quintela

Flavio Quintela

Suprema Corte

Esse negro não serve

Clarence Thomas, juiz da Suprema Corte norte-americana, durante a sessão de fotos oficiais da corte em 2017. (Foto: Shawn Thew/EFE/EPA)

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A esquerda americana jamais gostou de Clarence Thomas. Em outubro de 1991, quando de sua confirmação pelo Senado, Thomas recebeu 48 votos negativos, 46 deles vindo de senadores democratas, incluindo os votos de Joe Biden e Al Gore. Mas a votação apertada não foi, de forma alguma, a pior etapa de todo o processo que levou a sua aprovação.

No dia 1.º de julho de 1990, George H. W. Bush indicou Clarence Thomas para substituir Thurgood Marshall, que havia anunciado sua aposentadoria. Marshall fora o primeiro juiz negro da Suprema Corte, mas havia uma diferença fundamental entre ele e seu sucessor: Marshall tinha um viés liberal, havendo votado a favor de temas como o direito ao aborto e a proibição da pena de morte. Sua intepretação da Constituição estava longe da interpretação originalista, aquela em que se busca entender a intenção dos autores da Carta Magna e aplicá-la de modo a preservar essa intenção. Marshall acreditava que a Constituição precisava ser constantemente revista e costumava se referir a ela como um “documento vivo”.

Para os democratas, negros que ousem defender o conservadorismo não passam de pessoas manipuladas com mentes fracas e cativas. É assim até hoje

Por que é importante conhecer um pouco mais sobre Thurgood Marshall? Por um simples motivo: para a esquerda americana, Marshall foi um negro bom, um negro que sempre se ateve aos princípios do Partido Democrata e votou de acordo com o esperado pelo partido. Para os democratas, negros que ousem defender o conservadorismo não passam de pessoas manipuladas com mentes fracas e cativas. É assim até hoje. Homens brilhantes e geniais como Thomas Sowell, Ben Carson e Walter E. Williams são desprezados pela esquerda porque ousaram ser conservadores de pele negra.

Não era de se espantar, portanto, que toda a artilharia democrata fosse posta a serviço da difamação de Clarence Thomas logo após sua indicação. O presidente Bush tinha ido longe demais, tentando substituir um negro “do bem” por um “do mal”. Algo precisava ser feito. Acusações de assédio sexual foram fabricadas. Foi através de Anita Hill, advogada que havia trabalhado sob a chefia de Thomas no Departamento de Educação do governo americano, que o escândalo foi armado. Anita se enrolou para explicar por que tinha seguido Thomas em um segundo emprego sob sua chefia mesmo tendo sofrido o alegado assédio sexual no emprego anterior. A veemência da defesa de Thomas e a fraqueza das acusações de Anita não deixaram dúvidas de que o juiz estava sendo vítima de uma armação para evitar a sua confirmação. E, ainda que isso estivesse bem claro, o escrutínio a que Thomas e sua família foram expostos deixou uma sequela profunda no então jovem juiz.

Avancemos aos dias de hoje. Dias depois da votação histórica em que Roe v. Wade foi anulada, a esquerda veio com tudo para cima da ala conservadora da Suprema Corte. A Clarence Thomas, como é de costume, foi reservado o extrato mais puro do ódio liberal. O ator Samuel L. Jackson o chamou de “Uncle Clarenceuma referência direta à expressão “Uncle Tom”, cuja tradução contextualizada para o português seria “capitão do mato”. A prefeita de Chicago, Lori Lightfoot, escolheu um xingamento mais direto, gritando “Vá se f****, Clarence Thomas” durante um comício. Hillary Clinton, que foi veterana de Thomas na faculdade de Direito, fez um ataque mais elaborado e mais pessoal. “Desde que o conheci, ele sempre foi uma pessoa que guarda mágoas; ressentimento, mágoa, raiva”, disse Hillary durante uma entrevista a Gayle King, da CBS, e finalizou com “Mulheres vão morrer, Gayle, mulheres vão morrer”.

A Fox News, por outro lado, entrevistou alguém que participou ativamente da indicação de Clarence Thomas à Suprema Corte. Mark Paoletta, que trabalhou como conselheiro da Casa Branca no governo de George H. W. Bush, disse que “a esquerda está atrás de Clarence Thomas desde dezembro de 1980, na verdade, quando ele estava prestes a ingressar no governo Reagan. E eles o odeiam. (...) Eles tentaram destruí-lo. Eles tentaram marginalizá-lo. (...) E, 30 anos depois, ele não está apenas firme. Sua influência está no auge”.

Clarence Thomas é hoje o juiz mais velho e experiente do quinteto conservador da Suprema Corte. Suas opiniões e votos nunca tiveram tanto peso como têm hoje

A opinião de Paoletta tem total lastro na realidade. Quando entrou para a Suprema Corte, Thomas tinha pouco respaldo dos seus colegas de tribunal nas votações. O único que o acompanhava com mais frequência era Antonin Scalia, também conservador e também originalista. Mas o colegiado seguia uma linha mais à centro-esquerda no geral. Foi somente com a indicação de Samuel Alito ao mais alto tribunal do país, em 2006, que um equilíbrio de forças ideológicas finalmente foi atingido. Ou seja, mais de 15 anos se passaram até que Clarence Thomas encontrasse condições de ter seus votos apoiados e acompanhados pela maioria dos juízes. Mais uma década inteira se passaria até que Donald Trump nomeasse Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e, finalmente, Amy Coney Barrett, em 2020.

Tendo completado 74 anos no último dia 23 de junho, Thomas é hoje o juiz mais velho e experiente do quinteto conservador. Suas opiniões e votos nunca tiveram tanto peso como têm hoje. Conta a lenda que Thomas teria dito, logo após sua atribulada confirmação pelo Senado, que daria aos liberais um mínimo de 43 anos de serviço no tribunal, para vingar toda a vileza a ele dirigida em seu 43.º ano de vida. A história pode não passar de mera anedota, mas o resultado real é incontestável. Clarence Thomas é profundamente odiado pela esquerda americana, e isso é sempre um bom sinal. Se ele continuar o fantástico trabalho que tem feito por mais 13 anos, os Estados Unidos terão motivos de sobra para comemorar.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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