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Flavio Quintela

Flavio Quintela

Com o carro à frente dos bois

Ministro Gilmar Mendes disse que o Exército é cúmplice de um "genocídio" no Brasil por causa da alta mortalidade do novo coronavírus.
Gilmar Mendes é o principal crítico da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. (Foto: Nelson Jr./STF)

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23 de março de 2021: a Segunda Turma do STF decide, por 3 votos a 2, que Sergio Moro agiu com parcialidade no julgamento que resultou na condenação de Lula por corrupção. A decisão é baseada na troca de mensagens entre Moro e o procurador federal Deltan Dallagnol pelo aplicativo Telegram.

13 de abril de 2021: a Polícia Federal conclui que não é possível confirmar a autenticidade das mensagens trocadas por Moro e Deltan e vazadas pelo The Intercept Brasil.

Estamos diante de um dos maiores absurdos da história brasileira. O tribunal mais alto do país, o Supremo Tribunal Federal, tomou uma decisão com base em provas que não provam nada. Aqueles que deveriam ser a nata do Judiciário, as mentes mais brilhantes, as carreiras mais estreladas, decidiram pela suspeição de Sergio Moro antes mesmo de a Polícia Federal emitir um laudo sobre as provas que embasaram a decisão. É o carro à frente dos bois em sua versão togada. É o retrato fiel de um país em que nada é levado a sério, em que o setor público é debochadamente ineficaz, incompetente e incapaz.

O tribunal mais alto do país, o Supremo Tribunal Federal, tomou uma decisão com base em provas que não provam nada

“Ah, mas ninguém conseguiria forjar uma quantidade tão grande de mensagens. O conteúdo certamente reflete os erros de Moro e justifica a decisão do STF.” Errado. O laudo da PF é bem claro: não é possível confirmar a autenticidade. Sendo assim, todo o conteúdo – todas as mensagens, letra a letra, vírgula a vírgula – deveria ser descartado. Não se pode emitir julgamento honesto sobre algo que não seja autêntico e verdadeiro. Ainda que Moro e Deltan tenham escrito as mensagens exatamente como foram divulgadas, elas deveriam ser descartadas.

Ironicamente, se as mensagens forem verdadeiras, Moro terá sido vítima da mesma abordagem do Judiciário que usou para condenar Lula. O dobrar das regras, a falta de separação e sigilo entre as partes de um processo, o uso dos fins para justificar os meios. Se o caso contra Lula foi realmente montado sobre uma base frágil e dependente do relacionamento estreito entre juiz e procurador, a ação do Supremo, tomada com base em provas cuja autenticidade não pode ser comprovada, é apenas uma outra face do descaso para com a verdade que permeia os poderes políticos em nosso país.

Algumas semanas atrás, eu escrevi que o Brasil fez tudo errado na pandemia. A verdade é que o Brasil faz tudo errado, ponto. O sistema político é uma fábrica de corrupção, mas para mudá-lo é necessário o voto favorável de muitos corruptos. Nossa carga tributária é imensa, mas para diminui-la é necessário que o Estado abra mão de parte da sua arrecadação, parte essa que acaba no bolso dos corruptos. Para prender os corruptos, montou-se uma operação gigantesca, que levou a alma dos brasileiros que prezam pela honestidade. Agora, com a Lava Jato em xeque, de duas uma: ou ela foi montada “daquele jeito”, e está sendo atacada por causa de seus próprios erros, ou estamos diante de um contra-ataque dos corruptos. Minto, pode ser um pouco de cada coisa também.

Em meio a essa mar de lama, é realmente difícil vislumbrar uma saída. O que será de nós? Quem poderá nos salvar?

Bolsonaro não pode. Lula não pode. As Forças Armadas não podem. O STF não pode. E o Chapolim Colorado não existe. Nem o Super-Homem. Nem o Batman.

Sobramos nós, mas a maioria do nosso povo também não tem compromisso com a verdade. Não fosse assim, haveria mais políticos decentes. A matéria-prima é ruim mesmo. Temos Gérsons demais da conta.

No fim das contas, a piadinha fica cada vez mais verdadeira: a única saída é o aeroporto.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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