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Pudemos assistir, nos últimos dias, ao maior ataque à liberdade de expressão já perpetrado na história recente. O banimento de Donald Trump de todas as grandes plataformas de comunicação digital é uma afronta sem precedentes a um dos mais importantes pilares que sustentam as democracias modernas. Sem liberdade de expressão não há debate, não há imprensa, não há substrato para que a verdade apareça. Qualquer defesa desses atos de censura é injustificável perante os princípios e direitos que embasam a civilização ocidental. A única explicação possível para o regozijo explicitado por muitos jornalistas, comentaristas e influenciadores é também a mais pedestre e banal: satisfação vingativa por conta de nojinhos pessoais.
Dentre todos os grandes temas que fazem parte das intermináveis discussões entre direita e esquerda, já inclusas todas as suas variantes, três me são especialmente preciosos: o direito à vida, o direito à liberdade de expressão e o direito à defesa própria. Os três itens da agenda “progressista” que atentam contra esses direitos são, respectivamente, aborto, censura e desarmamento. Não falarei sobre aborto e desarmamento neste artigo, mesmo porque já deixei minhas posições e opiniões sobre ambos os assuntos muito bem claras, em diversas situações. O foco, obviamente, será em discutir a liberdade de expressão, e os argumentos que alguns ditos liberais e democratas têm usado para defender a censura.
Todos os dias, perfis de gente que fala o que Jack Dorsey e Mark Zuckerberg consideram errado são calados em suas redes, ao mesmo tempo em que perfis de criminosos, ditadores e assassinos são mantidos intactos. E todos os dias tem gente que se diz apreciadora da liberdade aplaudindo esses atos de censura
Primeiramente, liberdade de expressão é algo que não existe em nuances. Ou você é livre para dizer tudo o que quiser – ciente de que arcará com as consequências caso suas palavras sejam criminosas – ou você não é livre e ponto. A consequência criminal e jurídica do seu discurso não tolhe sua liberdade, já que você tem o direito de falar, e esse direito encosta no direito das outras pessoas de serem respeitadas em sua honra e reputação. Censura, no entanto, é algo inaceitável. É proibir que alguém fale, que alguém expresse publicamente suas ideias. A censura é o instrumento mais comumente presente nos regimes totalitários que já existiram na história humana. Calar os oponentes sempre foi e sempre será o primeiro objetivo de um déspota.
Em segundo lugar, o direito a empreender não pode se sobrepor à liberdade de expressão, assim como não pode se sobrepor à igualdade racial e a nenhum outro direito fundamental do homem. O discurso raso e infantil que está se alastrando nas mídias sociais é o de que as plataformas de comunicação são empresas privadas que têm o direito de restringir quem quer que queiram. Esse argumento é tão ridículo que chega a ser inacreditável que pessoas adultas e com um mínimo de formação intelectual o entendam como válido. Ora, se Twitter e Facebook podem banir usuários somente porque suas ideias diferem das concepções mais comuns em vigência, poderiam as empresas aéreas, os restaurantes, os supermercados e as lojas de roupa, por exemplo, banir alguém pelo mesmo motivo? Se sua resposta for “sim”, o mundo que você almeja não passa de uma distopia das mais macabras. Afinal, basta que você pare de pensar dentro do que for estipulado como “normal” para que seu nome seja incluído em alguma lista de expurgo.
Por fim, quero tratar especificamente da legislação que favorece Twitter, Facebook, Google e afins, protegendo essas empresas de uma miríade de processos judiciais que as impediriam de existir. A seção 230 da Lei de Telecomunicações de 1966, um pequeno texto de apenas 26 palavras, dá imunidade a qualquer pessoa ou empresa que replique conteúdo de terceiros na internet. Essa imunidade foi e continua sendo essencial para que a internet seja uma zona livre. Ela subentende, no entanto, uma contrapartida: que a parte a publicar a informação não aja como um editora de conteúdo. O que Twitter e Facebook fizeram com Donald Trump – e com muita gente menos famosa que ele nos últimos anos – foi justamente agir como editores, dizendo quem pode e quem não pode falar por suas plataformas, e restringindo o que pode e o que não pode ser dito. A regra, nesse caso, é clara: se você editar cada um dos seus usuários, tratando-os individualmente, passará a ser responsável pelo conteúdo que publica. Você está filtrando, adicionando avisos, favorecendo um ponto de vista em detrimento de outro. Você agora é muito mais parecido com um jornal que com uma empresa de telefonia. Deixou de transportar informação para escolher o que informar. Sua imunidade precisa acabar.
No ano passado, alguns perfis brasileiros de Twitter foram desativados. Estavam na lista gente como Allan dos Santos e Bernardo Küster, dois influenciadores aos quais já teci inúmeras críticas, e cujas opiniões sobre o governo Bolsonaro são diametralmente opostas às minhas. Na época do ocorrido, no entanto, deixei claro que achava aquilo um exemplo de censura condenável. Alguns amigos e seguidores fizeram chacota com minha posição. Disseram que estavam felizes demais, comemorando, e que depois pensariam se aquilo era ruim ou não. A coisa não parou de acontecer. Todos os dias, perfis de gente que fala o que Jack Dorsey e Mark Zuckerberg consideram errado são calados em suas redes, ao mesmo tempo em que perfis de criminosos, ditadores e assassinos são mantidos intactos. E todos os dias tem gente que se diz apreciadora da liberdade aplaudindo esses atos de censura.
No fim das contas, parece que a liberdade é um conceito elevado demais para muita gente. Basta uma pequena afronta às suas opiniões pessoais para que cerrem fileiras com censuradores. Como disse no início, sua sede de vingança e seu nojinho seletivo valem mais que um princípio fundamental. Quando também forem calados, será tarde demais.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos