Trump e Bolsonaro durante coletiva de imprensa no jardim da Casa Branca, na visita do presidente do Brasil aos EUA.| Foto: Presidência/Divulgação

Crepúsculo do ano. Daqui a poucas horas, estaremos iniciando “os anos 20” deste século (ainda falta um para a nova década, mas o calendário muda a dezena já na madrugada de hoje). Enfim, com tão pouco tempo restante em 2019, escolhi o óbvio e vou na onda das retrospectivas.

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Aqui, nos Estados Unidos, o ano termina com Donald Trump em alta na popularidade, mesmo com seu processo de impeachment aprovado pelo Congresso. Politicamente, no que diz respeito à esquerda, os partidos brasileiros estão muito mais evoluídos que o Partido Democrata americano. Explico: depois de mais de 20 anos de governos PSDB e PT, nos quais caminhamos da social-democracia tucana até a cleptocracia petista, vimos praticamente de tudo em termos de estratégia no tocante ao avanço da agenda ideológica de esquerda. Cartilha de direitos humanos recheada de surpresas ruins? Tivemos. Política educacional com forte viés ideológico e fracasso retumbante em comparativos internacionais? Tivemos. Judiciário ativista trabalhando para facilitar o aborto? Tivemos. Executivo comprando o Legislativo com propina? Tivemos.

E, com tudo isso e muito mais, a esquerda perdeu o comando do país para um sujeito que apostou na onda do conservadorismo sem ser conservador, e que ganhou a aposta porque entendeu que a população queria alguém que defendesse a família, tratasse criminosos como criminosos, diminuísse o Estado e fizesse tantas outras coisas contrárias a praticamente tudo o que o PT pregava. Se o sujeito satisfez ou não os anseios da população, é cedo demais para dizer. Mas é fato que alguns partidos brasileiros de esquerda estão fazendo uso desse aprendizado importantíssimo que foi a derrota para Jair Bolsonaro, a fim de não repetir erros crassos e reequilibrar o jogo político. Obviamente, diversas agremiações continuarão a pregar e fazer as mesmas coisas em que têm insistido há décadas. Para esse pessoal, o prognóstico é de diminuição de influência e poder.

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A radicalização dos democratas foi bastante acentuada neste 2019, e a chance de Donald Trump se reeleger não é pequena

Acabei abrindo um parêntese longo demais. Voltemos ao Partido Democrata americano, que tem andado desnorteado depois da derrota de Hillary Clinton para Donald Trump, dois anos atrás. A leitura que fizeram da derrota não poderia estar mais errada, e o remédio que propuseram não poderia ter mais contraindicações. A radicalização dos democratas foi bastante acentuada neste 2019 que termina hoje. Temas como imigração, aborto, armas e papel do Estado foram explorados em um nível comparável ao dos maiores (e piores) nomes do comunismo desde que essa excrescência foi criada. Os debates que precedem as primárias do partido mostraram aos americanos, e ao restante do mundo que teve estômago para ver, o quanto esses políticos estão dispostos a se afastar dos princípios fundamentais da nação americana. Houve gente dizendo que fará confisco de armas, houve gente defendendo aborto até o momento do parto, houve gente sugerindo que os Estados Unidos recebam todo e qualquer imigrante que se declare refugiado. Enfim, houve absurdos e mais absurdos. Não bastasse isso, decidiram por iniciar o julgamento do presidente sob artigos de impeachment, terminando por condená-lo.

Tivessem os democratas passado pelo que a nossa esquerda passou, provavelmente não teriam nem sequer iniciado esse impeachment. A forte subida da aprovação de Trump e a forte queda na aprovação do processo em si são fortes indícios de que os democratas não têm praticamente nada a ganhar com suas ações. E a radicalização de suas plataformas e agenda só contribui para uma polarização ainda maior e para a perda de apoio de um grupo que, no passado, foi importantíssimo para vitórias democratas em eleições diversas. Refiro-me aos negros americanos.

Pesquisas recentes mostram que o apoio negro aos democratas tem diminuído, tanto pela ineficiência das políticas do partido nos grandes centros onde tem ocupado o poder por décadas – Chicago, Los Angeles, Nova Orleans, Detroit etc. – como pelo sentimento de injustiça gerado pelas propostas de política imigratória dos deputados e senadores do partido. Os negros estão percebendo que os democratas querem dar aos cidadãos de outros países mais vantagens e ajuda que a eles, cidadãos afroamericanos com várias gerações nesta terra. Com tudo isso, não são pequenas as chances de os republicanos retomarem a maioria no Congresso e de Donald Trump se reeleger presidente.

Já no Brasil, onde a esquerda perdeu o Executivo federal, mas ganhou em troca um curso de “o que não fazer estando no poder”, Jair Bolsonaro completou um ano de mandato. Foi um ano muitíssimo atípico. Na virada de 2018 para 2019, lembro-me muito bem das piadas em redes sociais e grupos de WhatsApp. Muita gente dava graças a Deus pelo término do processo eleitoral, na esperança de que o novo ano fosse muito menos beligerante. Estavam todos enganados.

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O presidente da República conseguiu a proeza de dividir o segmento social que o elegeu de tal forma que os diversos grupos resultantes se tratam como inimigos mortais. Ao optar por voltar sua comunicação completamente para o grupo de apoiadores mais radicais, Bolsonaro isolou-se em um bolsão de blogueiros, jornalistas, assessores e bajuladores que tomaram para si o cetro da virtude e trataram qualquer voz discordante como traição. Ao escolher manter seus filhos no núcleo duro do governo e endossar, algumas vezes explicitamente e muitas tacitamente, as bobagens que publicaram durante o ano todo, o presidente diminuiu seu cargo e desprezou as prerrogativas da Presidência. Para passar a imagem de homem simples, jogou no lixo toda e qualquer liturgia; para demonizar a imprensa, tratou repórteres e jornalistas com um nível de estupidez e deboche incompatíveis com suas declarações de fé.

Mesmo agindo assim, se pelo menos tivesse mantido as promessas que fez e honrado sua palavra, algum mérito teria. Mas, longe disso, fez escolhas políticas esdrúxulas e se contradisse diversas vezes, inclusive em relação a Sergio Moro, com quem havia assumido um compromisso público de indicação ao STF, compromisso que não só foi esquecido como negado, também em público, pelo presidente.

Resumindo, porque o texto já ficou longo demais, Bolsonaro atingiu as piores expectativas de seus opositores. Nem eles esperavam que o presidente fosse tão afetado pelos filhos, ou que se aproximasse tanto de Dias Toffoli, ou mesmo que fizesse escolhas (como a de Augusto Aras para a PGR) que lhes caíssem tão bem. Se o Brasil voltar para as mãos de partidos corruptos de esquerda daqui a três anos, não será por falta de aviso.