Aqui em casa, eu e minha esposa usamos óculos, ambos por causa de miopia. O grau dela é bem normal, já o meu é mais no nível “cão-guia” – 16 graus de pura cegueira em cada olho. Para evitar que minhas orelhas caiam depois de algumas horas usando óculos, preciso sempre ter o cuidado de escolher a armação mais leve possível e colocar lentes com o mais alto índice de refração disponível. Ocorre que essas lentes são bastante caras, pois pouca gente precisa delas, e eu acabo cuidando dos meus óculos com todo o carinho do mundo.
Mas vamos aos fatos. Pouco menos de um mês atrás, a Alessandra mandou fazer óculos novos para si. Foi até a ótica onde eu havia feito os meus um ano atrás, passou por uma consulta, escolheu a armação e encomendou as lentes. Uma semana depois, pegou os óculos e ouviu as instruções da atendente. Entre elas, a garantia de satisfação: “Se você, por qualquer motivo, não gostar dos óculos, basta trazê-los de volta dentro de 30 dias e devolveremos o dinheiro ou faremos um novo par”. Pois bem, três semanas depois e ela chegou à conclusão de que aquela armação machucava um pouco a orelha e também não lhe satisfazia esteticamente.
Assim, ela me disse: “Você vai comigo trocar? Tenho medo de que eles coloquem algum empecilho e eu não consiga argumentar em inglês”. E eu, como bom marido, respondi com um amoroso “sim, bem”. Como já mencionei, tinha feito meus óculos havia um ano, na mesma ótica. Depois de uns sete meses, comecei a notar umas microbolhas na lente direita, coisa que jamais poderia ter sido causada por falta de limpeza. A lente esquerda estava perfeita – para preservar as lentes de quase mil dólares, uso estritamente o produto recomendado pela ótica – e a direita, com aquelas bolhinhas microscópicas. Pensando nelas, resolvi levar meus óculos para a ótica no dia em que fui com minha esposa.
O diálogo que se segue é a prova de que o cuidado e a atenção com o cliente aqui nos Estados Unidos são completamente fora da realidade do Brasil e de muitos outros países.
“Bom dia! Minha esposa não está gostando da armação e queria saber como funciona a troca dentro de 30 dias.”
“Bom dia! Deixe-me verificar no sistema… Sim, faz menos de 30 dias. Basta ela escolher outra armação e mandaremos fazer lentes novas. Não precisa justificar nada.”
“Muito bom. E, já que estamos aqui, gostaria de fazer uma pergunta. Estes óculos aqui foram feitos um ano atrás por vocês, e já faz algum tempo que eu vejo umas bolhinhas na lente direita, mesmo limpando apenas com os produtos que vocês recomendam e vendem. Você pode ver se há alguma maneira de consertar isso, refazer o revestimento antirreflexo ou mesmo fazer a lente direita de novo?”
“Sem problemas. Me empreste os óculos. Vou levá-los para o nosso técnico avaliar.”
A moça se dirige aos fundos da loja. Alessandra está escolhendo uma armação nova. Eu fico ali, literalmente sem enxergar um palmo à minha frente (16 graus de miopia significam foco máximo a apenas 6 centímetros dos olhos, menos de um palmo), por cerca de quatro minutos. Ela volta:
“O técnico viu os óculos e disse que deve ser defeito na película antirreflexo. Vamos fazer outro par para o senhor sem custo nenhum.”
“Que ótimo! Como fazemos? Preciso deixar esta armação aqui?”
“Não. Vamos pegar uma idêntica no estoque e o senhor só precisa trazer os óculos no dia em que o novo par ficar pronto.”
Minha esposa, que já tinha escolhido a nova armação, a entregou para a moça, que encerrou o atendimento.
Este breve episódio é um bom resumo do que é ser cliente nos Estados Unidos. Um ano depois, em uma ótica que é a única a fazer lentes de alto índice em um raio de 30 km, fizeram óculos novos sem pestanejar. Minha esposa, que trocou o seu par em menos de 30 dias, certamente teria ouvido algo bem diferente no Brasil, tal como “podemos até trocar, mas tem de ser uma armação que permita o aproveitamento das lentes” ou mesmo “a senhora devia ter testado melhor no rosto”. E não é só isso. Já citei nesta coluna o exemplo de quando comprei uma salada de frutas no supermercado e, depois de duas semanas, comentei com a moça do caixa que as frutas estavam sem graça, mas que nunca lembrava de trazer a salada para devolver. Na mesma hora, ela me perguntou quanto eu havia pago e me deu um cartão do mercado com a devolução do valor como crédito. E em restaurantes? A garçonete pergunta se você está gostando da comida. Caso você responda algo como “é bom, mas eu gostei mais desse que minha esposa pediu”, ela costuma oferecer a troca de prato imediata e sem custo extra. Tudo para ganhar um cliente com potencial de se tornar fixo.
Será que esse respeito é fruto de um Procon muito bem equipado, que defende os clientes de todas as maldades dos empresários? Absolutamente não. Não existe Procon por aqui. A única interferência do Estado costuma ser nas épocas de desastres naturais, quando fica proibido aumentar preços para lucrar com a desgraça alheia. No geral, os clientes são tratados como são porque há muita concorrência, muitas opções, muito dinheiro correndo. E já faz tanto tempo que os americanos desfrutam dessa realidade que, mesmo em setores onde há um certo monopólio, o respeito é prática corrente e automática.
Acho que dá para resumir bem em uma frase: em terra de muita concorrência, todo mundo é VIP.
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