Ouça este conteúdo
Com tudo o que vem acontecendo no Brasil, e com a recente baixa do dólar, muita gente ressuscitou os planos de emigrar para os Estados Unidos. Pensando nessas pessoas, eu estive com a advogada Andrea Bowers, do escritório Andrade Law Firm, em Orlando, especializado em processos imigratórios de todos os tipos. Agradeço a gentileza e a disponibilidade não só dela, mas de toda a equipe. Nossa conversa traz muita informação boa para quem tem se perguntado se não é hora de fazer as malas e rumar para o aeroporto.
Quando e por que o visto EB-2 passou a ser uma das principais opções dos brasileiros que buscam imigrar para os EUA?
O visto EB2-NIW é um visto analisado por dois setores: qualificações acadêmicas da pessoa (ou ela tem doutorado ou mestrado, ou um bacharelado e mais cinco anos de experiência na área) ou ela possui habilidades especiais, configuradas pelo preenchimento de três entre sete requisitos da lei que regulamenta esse visto. Isso é o que faz a pessoa se tornar elegível para pedir o EB2-NIW. Mas a grande vantagem desse visto é a pessoa conseguir um visto de trabalho que leva ao Green Card sem precisar de uma oferta formal de emprego. Tem sido cada vez mais difícil conseguir um empregador disposto a patrocinar um pedido de visto imigratório, e o EB2-NIW evita essa rota.
Esse visto tem se tornado comum no Brasil pelo fato de haver muitas pessoas bem qualificadas no país e ao mesmo tempo extremamente insatisfeitas com a situação da nação. Assim, pessoas com carreiras consolidadas ou credenciais acadêmicas relevantes têm como programar seu processo de imigração sem precisar de um sponsor.
O EB2-NIW ganhou ainda mais popularidade no fim de 2016, com a jurisprudência criada por uma decisão judicial conhecida como Matter of Dhasanar. Essa decisão estabeleceu que um indivíduo que seja elegível ao EB2 será também elegível a um National Interest Waiver (NIW), que pode ser traduzido como “Exceção de Interesse Nacional”: é a provisão mencionada acima e que livra o indivíduo da necessidade de um sponsor desde que ele prove, com evidências, que seu plano profissional tem mérito substancial e importância nacional, que está bem posicionado profissionalmente para cumprir esse plano, e que sua vinda não impactará negativamente o mercado de trabalho. O Matter of Dhasanar estabelece critérios mais objetivos para aferir se a proposta profissional do aplicante se encaixa ou não nesses requisitos. Ele estabelece, por assim dizer, um tripé sobre o qual se dará a aprovação do caso, com exemplos elucidativos. Por exemplo, ele diz que um empreendimento local pode ter importância nacional, que importância nacional não implica necessariamente em importância econômica etc.
“Tem sido cada vez mais difícil conseguir um empregador disposto a patrocinar um pedido de visto imigratório, e o EB2-NIW evita essa rota.”
Andrea Bowers, advogada especializada em processos de imigração e obtenção de visto norte-americano.
Há tantos brasileiros pedindo o EB2-NIW que em algum momento a imigração vai acordar e fazer algo para dificultar esse processo. Isso é verdade ou não passa de lenda?
Eu acredito que não haja discriminação de nacionalidade no processamento dos pedidos. O que nós já notamos é uma diferença no nível de exigência dos agentes dependendo de quem é o advogado ou a firma que está cuidando do processo. Por isso, é muito importante que a pessoa que deseja contratar um advogado de imigração investigue a reputação do advogado ou escritório, verificando se o profissional é realmente licenciado para trabalhar. Tem de perguntar o número do BAR e o estado em que o profissional é licenciado, e com isso é possível ver se há muitas reclamações contra ele.
Houve mudança significativa de política de imigração do governo Trump para o governo Biden?
A política interna determina muita coisa dentro da imigração. O que a gente vê é que nesta administração me parece que estão sendo bem mais minuciosos na apreciação de qualquer tipo de pedido. Da minha perspectiva – não estou lá dentro e não sei o que está sendo implementado em termos de regulamento interno –, na época do Trump havia uma flagrante intenção de eliminar alguns tipos de processos, como o do asilo e de Green Card por família, e havia alguns erros crassos e abusos gritantes nas análises dos processos. Nesta administração, parece haver uma intenção política no sentido de criar mais processos para a obtenção de mais Green Cards, parece haver uma intenção política de acelerar a análise de alguns processos, mas ao mesmo tempo temos visto uma análise mais minuciosa dos casos.
Por exemplo, no processo de casamento, quando o indivíduo está aqui e trabalhou sem autorização, isso é perdoado pela lei pois se está casando com um cidadão americano. Na administração anterior e até mesmo na época do Obama, a pessoa colocava no formulário que havia trabalhado sem autorização e violado os termos do seu visto, e na entrevista esse tópico nem sequer era trazido à tona – as perguntas eram todas para comprovar que o casamento era verdadeiro, e não algo arranjado apenas para dar o visto. Nesta administração, eles começaram a perguntar ao indivíduo quando ele ou ela começou a trabalhar sem autorização. Aí, se a pessoa diz que começou a trabalhar logo que chegou aqui com um visto de turista, configura-se um outro tipo de violação, que é o falso testemunho ao agente de fronteira, lá no aeroporto, que pergunta o motivo da viagem antes de conceder a entrada. Essa violação não é perdoada e pode inviabilizar o processo de visto de casamento.
Eu já ouvi muita gente dizendo que o agente de imigração que analisa o seu caso é alguém com formação básica de segundo grau, e que pode negar seu visto se tiver acordado com o pé esquerdo, ou de mau humor por ter brigado com o cônjuge na noite anterior. Há alguma verdade nisso?
Os processos de imigração têm um teor altíssimo de subjetividade, que vem do agente que está analisando o caso. Dependendo do processo, há graus maiores e menores de subjetividade. A decisão final, porém, não pode ser arbitrária e nem por capricho, ou seja, precisa ter uma fundamentação e informar de onde veio o critério de avaliação que gerou a resposta negativa. O que varia muito é quão duro o agente é na análise do caso e nas perguntas feitas durante as entrevistas. Quando a abordagem é mais rigorosa, o agente costuma fazer perguntas com o propósito de levantar fatos até então ocultados e que podem gerar a negação do visto.
Temos sempre de lembrar que, por sermos imigrantes, sentimos que temos o direito de receber um determinado visto se fizemos o processo da maneira correta e verdadeira. Na verdade, o visto é um privilégio, uma discricionariedade dos Estados Unidos para com o aplicante. Alguns poucos vistos têm um critério extremamente objetivo, mas a maioria depende da intenção do agente de ir mais fundo ou não na investigação do caso. Assim, por exemplo, se em um caso de EB2-NIW o agente descobrir que o aplicante possuía uma empresa aberta no país antes mesmo de se inscrever para o visto, ele pode tanto ignorar esse fato e fazer a aprovação como questionar o aplicante a respeito, para saber se a empresa tinha funcionários, se tinha outros sócios, se gerava receita, se tinha lucro, tudo com o intuito de descobrir se o aplicante usava a empresa como fachada para trabalhar sem autorização. A função dos agentes é separar quem está falando a verdade de quem está mentindo.
“Sentimos que temos o direito de receber um determinado visto se fizemos o processo da maneira correta e verdadeira. Na verdade, o visto é um privilégio, uma discricionariedade dos Estados Unidos para com o aplicante.”
Andrea Bowers, advogada
A pessoa precisa ter curso superior para conseguir um visto EB2-NIW? Isso é condição sine qua non?
Não precisa. O EB2-NIW tem a parte de habilidades especiais, que possui sete requisitos, dos quais o aplicante deve preencher três, e ao mesmo tempo mostrar que preencheu os três acima da média de seus pares. Esse requisito de preencher acima da média foi uma mudança recente no manual do EB2-NIW, e ainda não sabemos o que eles estão esperando com isso.
Os sete requisitos são: se a pessoa tem alguma formação acadêmica ou certificado na área da habilidade informada; se tem mais de dez anos de experiência em tempo integral nessa área; se tem licença para praticar a profissão; se participa de alguma organização profissional; se tem como comprovar que fez diferença notável em seu mercado de trabalho, algo que é geralmente satisfeito com as cartas de recomendação; se teve salário acima da média de seus pares; e se fez alguma coisa fora do comum em sua área, algo que ajude a demonstrar que é um profissional de destaque. Portanto, alguém que preencha três desses requisitos não precisa necessariamente ter um bacharelado.
A confusão mais comum que as pessoas fazem é pensar que você precisa ter uma formação acadêmica e mais três dos requisitos acima. Na verdade, se alguém possui um bacharelado e mais cinco anos de experiência em tempo integral, ou mestrado ou doutorado em sua área de atuação, basta que seu plano profissional contemple aqueles três requisitos dos quais falamos anteriormente para que o EB2-NIW seja concedido na parte de formação acadêmica. Alternativamente, a pessoa pode satisfazer três dos sete requisitos de habilidades especiais, caso em que também precisa que o plano profissional atenda ao tripé de requisitos.
Uma informação importante: a pós-graduação válida para a comprovação acadêmica não é lato sensu, que compreende grande parte dos MBAs de aplicação profissional e terminam com um trabalho de conclusão de curso, e sim stricto sensu, que dá os títulos de mestre e doutor e terminam sempre com uma defesa de dissertação (no mestrado) ou tese (no doutorado). A última versão do manual de EB2-NIW também privilegia as carreiras de “Stem” – Science, Technology, Engineering and Mathematics (“Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática”) –, que são consideradas de grande importância nacional.
“Alguns poucos vistos têm um critério extremamente objetivo, mas a maioria depende da intenção do agente de ir mais fundo ou não na investigação do caso. A função dos agentes é separar quem está falando a verdade de quem está mentindo.”
Andrea Bowers, advogada
Pensando na pessoa que está no Brasil, lendo esta entrevista, qual é o primeiro passo a tomar para saber se ela tem a possibilidade de tentar um desses vistos de imigração?
Consultar um advogado de imigração. Eu gosto quando os clientes chegam e já estudaram sobre o assunto. É importante pesquisar e ver outras fontes, para ter ideia do que está sendo dito. Quando entrar em contato com o advogado, precisa perguntar o número do BAR e verificar se há reclamações ou processos contra ele. Se não conhecer nenhum advogado e nem tiver uma indicação, é melhor fazer um investimento e conversar com três profissionais diferentes do que confiar logo no primeiro. A segurança do advogado, a forma da comunicação, tudo vai ajudá-lo a decidir. Se você tem uma indicação, é claro que é melhor.
Quando estiver com o advogado na consulta, o que você precisa avaliar? A pessoa tem de sentir confiança de que o advogado possui conhecimento técnico suficiente para fazer o processo. Outra coisa é entender como funciona o processo do escritório, já que os escritórios de advocacia dos Estados Unidos são bem diferentes dos brasileiros. Aqui você não tem o WhatsApp do seu advogado. Eu fui imigrante aqui, eu sei bem o que é isso. Mandava e-mail para o meu advogado e recebia uma resposta 15 dias depois. E só estive com ele duas vezes, na consulta inicial e na preparação para a entrevista. Funcionou, porque eu me valia do pessoal da recepção para me manter informada e para passar recados. Agora, se a pessoa precisa ter um contato mais próximo, se não consegue levar um processo com esse distanciamento, ela deve perguntar logo de cara como funciona o escritório. Aqui em nossa firma, se a pessoa deixa recado e tenta falar com a gente, ou eu ou a Marisol (sócia fundadora do escritório) pedimos para que seja marcada uma ligação de 15 minutos em nossas agendas. O processo de imigração pode levar anos, e é importante que o aplicante tenha algum conforto nesse tempo, pois o cliente tem dúvidas, quer saber que haverá alguém para falar quando bater a angústia da falta de resposta.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos