Se você já leu algum dos evangelhos, sabe como agiam os fariseus. Se não leu ou não se lembra, vou explicar. Os fariseus eram os caras mais religiosos da época de Jesus. Eram homens que se atinham aos mínimos detalhes da lei e que não pensavam duas vezes antes de apontar os dedos a quem a descumprisse. Foram condenados inúmeras vezes por Jesus justamente por essa falta de compreensão sobre a finalidade da lei judaica: os fariseus tinham tornado a lei numa divindade por si mesma. Enquanto isso, Jesus ensinava que cumprir a lei de forma mecânica, soberba e julgadora – como os fariseus faziam – não valia nada, pois para Deus importa o que realmente somos, não o que parecemos ser. Enfim, uma pincelada rápida e superficial apenas para situar o termo.
E não é que, em pleno século 21, estamos cada vez mais cheios de fariseus nesse mundo? E são versões diferentes, adaptadas às neuras, vícios e histerias da sociedade contemporânea. Reparei nisso quando do nascimento da minha filha. A minha esposa recebeu um monte de mensagens, várias delas em tom de cobrança, do tipo “não vai fazer cesárea se não precisar, hein?” ou “tem de amamentar de qualquer jeito, não ceda”. As “fariseias” (improviso o termo aqui, já que todos os fariseus da época de Jesus eram homens) do parto humanizado, do parto normal, da amamentação sob demanda e do raio que as parta não dão trégua para as amigas e conhecidas. A ordem do dia e da atualidade é ter uma opinião e enfiá-la com força de lei goela abaixo dos infiéis. Assim fazem muitos vegetarianos, a galera que curte uma maconha, o pessoal dos direitos dos animais, os defensores de um ou outro candidato político, os adeptos de duas taças de vinho para manter o coração saudável, os piramideiros com seus produtos mágicos e seus status de ultra-mega-diamante-com-safira-sagrada, os bebedores de urina, os crentes na Terra plana, os conspiratórios, os odiadores da indústria farmacêutica, os ecochatos e tantos outros que cruzam nossa existência querendo nos obrigar a pensar da mesma maneira que eles (por incrível que pareça, esse fenômeno não se manifesta no futebol – eu nunca vi um corintiano tentando converter um palmeirense ou vice-versa).
Mas estaria eu pregando contra a discussão livre de ideias? É claro que não. Estou escrevendo contra a chatice livre de ideias. Em tempos de redes sociais, qualquer expressão de opinião é bombardeada por comentários farisaicos, de gente que adora policiar o próximo, tentando moldar o mundo às suas preferências. Exemplificando, se você quer ter um parto extra-humanizado, no meio da fazenda, de cócoras, com vaquinhas e pôneis ao redor, seja feliz e faça. Só não encha o saco de quem curte um parto hospitalar, com direito a anestesia, enfermeiras, médicos e tevê a cabo. Você acha a indústria farmacêutica o QG do demônio aqui na Terra? Use homeopatia, acupuntura, cristais, florais e o que mais houver de alternativo. Só não torre a paciência de quem adora um antibiótico. Aliás, escreva o que quiser sobre sua neura, sobre aquilo que você adora e defende. Só tenha em mente uma coisa: escreva e deixe que as pessoas optem ou não por ler suas opiniões. Nada mais chato e desagradável que postar um link sobre as vantagens da amamentação no post daquela mãe que optou por dar mamadeira, qualquer que tenha sido o motivo.
Fica a dica: se bater uma vontade irresistível de comentar o post ou a foto de alguém, com o objetivo de promover sua “religião”, conte até dez, afaste-se do teclado e ocupe-se com outra coisa. O mundo já está chato demais sem a sua cutucada; não o piore ainda mais.