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Futebol, política e religião

Foto: Andre Rodrigues/Arquivo Gazeta do Povo (Foto: )

O debate honesto de ideias é artigo raro em nosso mundo atual. O homem das massas, aquele muito bem definido por Ortega y Gasset, não tem interesse algum em participar de qualquer atividade que lhe exija mais do que a mera ruminação de chavões e clichês utilizados em seu grupo de pertencimento, seja ele religioso, político ou desportivo. No Brasil, terra onde o debate intelectual nunca foi tradição, essa indisposição é muito bem traduzida pelo antigo ditado popular: Futebol, política e religião não se discutem.

A Nova República brasileira foi construída sobre o pior alicerce possível, a Constituição de 1988. Essa grande porcaria, criada sob a capitania de parlamentares cujo propósito principal era estabelecer uma hegemonia das doutrinas de esquerda no Brasil, consiste num amontoado gigantesco de ordenanças que variam do inviável ao impossível, do ilógico ao imbecil, do questionável ao imoral. A nossa Carta Magna atual, a mais recente de nada menos que oito constituições, foi o adubo de que os estatistas precisavam para criar o grande Leviatã do Hemisfério Sul, um tributo à burocracia, à corrupção e à ineficiência. Além disso, ao depositar a responsabilidade por felicidade, bem-estar, saúde, educação, alimentação, trabalho, moradia e lazer nos ombros do Estado, ela declara implicitamente que os brasileiros não passam de crianças desamparadas que precisam do papai governo para sobreviver. Por tudo isso, não deveria ser surpresa para ninguém que vivamos hoje em uma cleptocracia institucionalizada, um regime falido cuja porta de saída se encontra soterrada por um Congresso movido a dinheiro sujo e interesses escusos, por uma suprema corte ativista e ideologicamente partidária, e por um Executivo aparelhado e desprovido de qualquer compromisso com os reais direitos e liberdades do povo brasileiro. É nesse cenário desolador que acontecerão as eleições de 2018. É nesse cenário que o homem das massas se envolverá e poderá ajudar a perpetuar o desastre civilizacional que é o Brasil do século 21.

Estamos a pouco mais de um ano de uma eleição presidencial com potencial atômico de destruição, e o homem das massas não consegue agir senão segundo sua natureza de ser massa. Tivemos 13 longos e desoladores anos de governo petista, que soube como ninguém tirar proveito da militância bovina e da ignorância popular. É quase certo que aqueles que passaram esse período tentando de alguma forma enfraquecer o petismo acabaram se deparando, em algum ou vários momentos, com os absurdos cometidos, escritos e falados por gente que se vestia de vermelho, empunhava bandeiras vermelhas, pensava, respirava, enxergava e vivia o vermelho do comunismo petista. A massa militante, em seu raciocínio binário, apressava-se em tachar seus oponentes de tucanos ou burgueses, sem fazer a menor ideia de que tucanos e petistas surgiram da mesma farinha estragada e de que seus líderes eram a própria definição de burguesia – perdoemo-los, pois não sabiam o que faziam. Mas o homem das massas não é exclusividade do petismo, nem do esquerdismo. O homem das massas é o homem que predomina no Brasil, independentemente de seu alinhamento ideológico. Ele quer alguém para confiar, alguém que cuide de suas mazelas. Ele deseja, no fundo de seu coração, que alguém assuma a responsabilidade pela educação de seus filhos, pela saúde de sua família, pelo seu sustento caso fique desempregado, e por tantas outras coisas chatas com que um adulto pleno e capaz tem de se preocupar diariamente. E, embora tal cuidado possa ser percebido em uma entidade sem forma real como o Estado, é sobre os líderes individuais que costumam recair as esperanças de redenção do homem das massas – que o digam Lula e Dilma.

O verdadeiro conservador não age como massa. O conservadorismo pressupõe um pé atrás constante em relação a promessas de mundo melhor proferidas por qualquer líder, seja ele de esquerda, centro ou direita, seja ele católico, protestante ou ateu. Essa desconfiança permanente e a convicção da falibilidade humana são condições sine qua non para evitar o surgimento de fenômenos populistas e de salvadores da pátria em geral. No entanto, o Brasil das massas está muito longe disso. Nós flanamos de um salvador para outro, na esperança de que algum deles seja o verdadeiro ungido, aquele que o oráculo previu que nos livraria de todo sofrimento e miséria. O fenômeno é tão comum que acontece mesmo entre religiosos convictos, pessoas que declaram depositar sua esperança maior num desfecho eterno, mas que momentaneamente substituem seu salvador divino por uma versão terrena genérica. Mas, embora a massa seja bovina por definição, ela não é uniforme em suas convicções. Existem subconjuntos radicalizados que condensam o messianismo a um ponto tal em que sua densidade é capaz de romper o tecido social. Surgem, então, os discursos que pregam a eliminação e morte de adversários, o fechamento das instituições democráticas, a tomada de poder por forças armadas, a prisão por crimes de opinião e toda uma gama de “soluções” totalitárias para o “problema” da diversidade de opiniões. Quando tais discursos se transformam em realidade, o debate de ideias é oficialmente morto e enterrado.

O papel que nos cabe, em nosso Brasil prestes a passar por uma nova eleição presidencial, é manter esse debate vivo, é tentar trazer à tona propostas em vez de pessoas. Nosso papel é reafirmar as liberdades que amparam a civilização ocidental e lutar por elas contra tudo e todos. Nosso papel é saquear as massas e delas tirar gente disposta a trabalhar pelo que vale a pena. A alternativa insensata é tratar a política como futebol: defender o time a todo custo, brigar e jogar rojão na torcida rival, repetir banalidades como “clássico é clássico, e vice-versa”, e sair da final feliz porque o time foi campeão. No dia seguinte, resta somente o prazer de tripudiar sobre os perdedores, enquanto os atletas campeões recebem seus prêmios milionários.

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