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Na semana que passou, a “nova política” de Bolsonaro mostrou mais uma vez que não tem absolutamente nada de nova. Em uma demonstração de populismo barato e rasteiro, o presidente da República resolveu entrar em um boteco – daqueles cheios de marmanjos desocupados, bebendo em pleno horário de trabalho – e jogar sinuca com os locais. Não bastasse a incursão inadequada e incompatível com o significado e a importância do cargo que ocupa, o excelentíssimo parvíssimo senhor presidente ignorou que ainda vivemos em tempo de pandemia e empacotou um monte de gente ao seu redor em um espaço confinado.
Que fique claro: não sou um radical na defesa do isolamento social. Meus filhos já voltaram para a escola e eu tenho saído de casa para fazer compras e comer em restaurantes. Mas seguimos os cuidados básicos que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso seguiria: máscara em qualquer local fechado, frasco de álcool gel no bolso e mãos lavadas constantemente; evitamos aglomerações, passamos mais tempo do que nunca em família apenas, e cuidamos da saúde para evitar qualquer baixa de imunidade. Mesmo assim, a doença bateu bem pertinho de nossa casa. Meu grande amigo Diego Casagrande, um dos melhores jornalistas da atualidade, foi internado com Covid, ontem. Ele fazia tudo o que eu faço em termos de prevenção, talvez até um pouco mais, e está agora separado da família, lutando para vencer esse vírus maldito.
Milhares de pessoas fizeram seu melhor para tentar segurar a onda de contágio da Covid, buscando vencer algo inédito em suas vidas com altruísmo e empatia. Essas pessoas não são fracas. Fraco é um presidente que faz troça da doença
Jair Bolsonaro, na mesma semana do passeio ao boteco, disse com todas as letras que ficar em casa é para os fracos. Para ele, Diego é um fraco, eu sou um fraco, você que está lendo é um fraco. Jair, você é o fraco, você é o covarde. Diego Casagrande é um gigante perto de você. Ele criou filhos que não dependem do Estado e os equipou com tudo de que um adulto precisa para contribuir positivamente na sociedade; ele jamais usou um centavo sequer de dinheiro público para sustentar a família, e manteve a honra e a verdade como princípios inegociáveis em sua longa carreira no jornalismo; ele sempre pregou o que viveu e viveu o que pregou, ao contrário de você e sua hipocrisia galopante.
Assim como Diego, milhares de outras pessoas fizeram seu melhor para tentar segurar a onda de contágio da Covid, buscando vencer algo inédito em suas vidas com altruísmo e empatia. Essas pessoas não são fracas. Fraco é você, Jair, que fez troça da doença, que nunca se preocupou em informar a gravidade da situação aos brasileiros que acreditam piamente em tudo o que fala, que jamais mostrou um pingo de compaixão para com as famílias que até hoje choram a morte de seus queridos. Você e seus papagaios repetiram à exaustão que essas pessoas morreriam de qualquer jeito, pois tinham comorbidades. Em vez de montar um plano de auxílio às empresas, algo que sustentasse a economia durante os piores meses da pandemia, você tagarelou como um Napoleão de hospício sobre como o declínio econômico mataria mais que o próprio vírus. Você tinha as ferramentas para ajudar, poderia ter lançado linhas de crédito para os pequenos e médios empresários, poderia ter suspendido impostos e encargos para quem mantivesse empregados, poderia ter criado condições para que as pessoas se protegessem e ao mesmo tempo continuassem produzindo de alguma forma. Mas você preferiu fazer o que sempre fez nos últimos 30 anos: viver de bravatas e fingir que estava trabalhando.
Jair Bolsonaro é um bufão. Sua capacidade de lidar com situações de crise é próxima de nenhuma. Suas soluções para os problemas do país se resumem à repetição de chavões de campanha para motivar uma militância que segue convencida de que a Covid e tudo de ruim que aconteceu em 2020 não passa de uma grande conspiração contra o messias que derramou sangue pelos brasileiros e quase deu a vida para que fossem livres. Sua guinada recente ao populismo é clara confirmação de que ele não faz a menor ideia de como administrar o país. Se o governo estivesse bem, ele não precisaria sair em campanha dois anos antes da eleição, visitando botecos e bebendo refrigerante na boca da garrafinha.
Escrevo este texto com o coração pesado pelo meu amigo. É somente quando as coisas acontecem com a gente, ou muito perto da gente, que temos a real noção de suas consequências. Tenho fé de que ele sairá dessa curado e com muita disposição para continuar a informar as pessoas com a verdade, desmentindo muitas barbaridades que se espalham facilmente pelo ambiente digital em que vivemos. Eu sei o que é ver sua empresa zerar as vendas porque todos os meus clientes tiveram de fechar seus consultórios por conta do vírus maldito. Mas eu também sei o que é ter uma boia para se agarrar. Milhares de empresas como a minha, pequenas, puderam manter seus funcionários durante os três piores meses de pandemia graças a uma linha de crédito lançada pelo governo americano e aprovada em regime de urgência pelo Legislativo. Esse programa me deu condição de respirar e de não demitir um funcionário sequer. Passado o pior, voltamos a vender e conseguimos até crescer em relação aos mesmos meses do ano anterior. Sou a favor do Estado mínimo, mas não posso negar: se não fosse essa ajuda, essa linha de crédito a fundo perdido, minha família e as famílias de meus funcionários teriam passado um aperto terrível. A recuperação teria sido muito mais lenta, exatamente como está acontecendo no Brasil.
Termino pedindo ao leitor sua oração para o grande Diego Casagrande e para todos os que ainda lotam as UTIs por causa da doença que, de acordo com muitos bolsonaristas, não passa de uma farsa. Em breve, olharemos para trás e veremos com mais clareza o que aconteceu. Espero que muitos consigam enxergar o quão irresponsável e incompetente Jair Bolsonaro foi no ano mais difícil do século. Ninguém esperava que ele fizesse milagres, mas pelo menos que agisse como homem. Pelo jeito, esperamos demais.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos