O senador democrata Joe Manchin tem votado contra alguns dos projetos de Joe Biden.| Foto: Michael Reynolds/EFE
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Quando os resultados finais das eleições norte-americanas de 2020 foram divulgados, um grande amigo meu – conhecido por seu eterno pessimismo – soltou de imediato uma mensagem em nosso grupo de política: “Acabou a América, acabou o mundo. Tomaram a presidência e as duas casas. Fujam para as colinas”. Foi mais ou menos isso. Essa foi a versão com licença poética do que me lembro de ter lido.

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Brincadeiras à parte, foi muito difícil para qualquer conservador imaginar um cenário menos que catastrófico com Joe Biden na presidência e os democratas com maioria tanto na Câmara quanto no Senado. Melhor dizendo, quanto à Câmara, mantiveram uma pequena maioria que já tinham conquistado na eleição anterior; quanto ao Senado, conseguiram um empate 50-50, e em casos de empate quem decide é o vice-presidente. Trocando em miúdos, parecia que os democratas estavam com a faca e o queijo, com caminho livre para aprovar qualquer tipo de legislação nos dois primeiros anos do governo Biden.

Joe Manchin, um dos poucos políticos centristas que restam nos Estados Unidos e que já se definiu como “um democrata conservador”, tem sido a pedra no sapato de Joe Biden

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Só que no caminho de um Joe havia um outro Joe.

Joseph Manchin III, nascido em 24 de agosto de 1947, é um senador pelo estado da Virgínia Ocidental. Ele ocupa o cargo desde 2010, ano em que deixou seu segundo mandato como governador do mesmo estado. Manchin é um dos poucos políticos centristas que restam nos Estados Unidos. Ele mesmo já se definiu como “um democrata conservador”, e sua trajetória política corrobora sua afirmação. Quando venceu a primeira eleição para governador, em 2004, seu estado deu vitória acachapante ao então candidato republicano à reeleição, George W. Bush. Mais que isso, Manchin levou a disputa com 30 pontos de dianteira sobre o candidato republicano, Monty Warner. Quatro anos depois, em 2008, Barack Obama perdeu na Virgínia Ocidental para o republicano John McCain, mas Manchin conquistou a reeleição com margem ainda maior – 44 pontos de vantagem sobre Russ Weeks – e sem perder em nenhum condado. Uma verdadeira surra.

Pois bem, é esse político que tem impedido que a previsão catastrófica do meu amigo se tornasse verdade. Joe Manchin tem sido a pedra no sapato de Joe Biden. A mais recente oposição do senador democrata à agenda de Biden se deu no domingo passado, 19 de dezembro, quando ele disse que votará contra o Build Better Act, maior peça legislativa já proposta pelo atual governo, e que prevê um gasto de quase US$ 2 trilhões em áreas diversas, incluindo obras de infraestrutura, provisões para o combate às mudanças climáticas e ampliação da rede de auxílio estatal. Em entrevista à Fox News, Manchin disse “Eu não posso votar para que essa lei seja aprovada. Simplesmente não posso. Já tentei tudo que era humanamente possível. Não consigo chegar lá”. E completou dizendo “Eu sempre disse que, se não puder voltar para casa e explicar meu voto, eu não posso votar”. Como já descrevi acima, votar a favor de uma lei cujos resultados serão ainda mais inflação e ainda mais restrições a combustíveis fósseis – um dos pilares econômicos da Virgínia Ocidental, que tem um terço de seu PIB proveniente das indústrias de gás e carvão – seria o equivalente a um suicídio político.

Mas esse foi apenas o episódio mais recente de Joe versus Joe.

Em fevereiro deste ano, Manchin disse que votaria contra a confirmação de Neera Tanden à diretoria do Escritório de Gestão e Orçamento, indicação direta do presidente Joe Biden. “Eu creio que suas declarações extremamente partidárias terão um impacto tóxico sobre as relações de trabalho entre os membros do Congresso e o próximo diretor do Escritório de Gestão e Orçamento”, justificou quando indagado sobre sua declaração. Em resposta a Manchin, Biden afirmou que não recuaria e que manteria a indicação de Tanden. Chegou a afirmar que “vamos conseguir os votos para a aprovação dela”. Menos de um mês depois, a Casa Branca emitiu nota dizendo que Tanden havia pedido que seu nome fosse retirado.

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Em junho deste ano, Manchin disse que não votaria com seu partido na reforma eleitoral que os democratas pretendiam aprovar. “Reforma eleitoral feita de maneira partidária só serve para assegurar que as divisões partidárias continuem a se acentuar”, disse ele em entrevista à época. E ele enterrou a reforma, que era considerada catastrófica por dez em cada dez analistas políticos conservadores.

Enquanto um Joe tem feito de tudo para destruir a nação, o outro tem sido muito mais combativo que muitos dos senadores republicanos

Mas, mesmo antes da posse de Biden, Joe Manchin já tinha sido claro em relação a alguns temas e propostas controversos que eram então aventados por figuras de alto escalão do partido democrata. Sobre o Green New Deal, uma proposta radical de mudança de matriz energética que levaria os Estados Unidos à falência, ele disse: “Esse Green New Deal e todo o seu socialismo embutido, não é isso que somos como Partido Democrata”. Sobre o aumento do número de juízes na Suprema Corte, Manchin se declarou categoricamente contrário. E, se investigarmos sua atuação histórica como senador, nada disso se mostra surpreendente. Durante a sessão de 2017-2018, Manchin votou contra a maioria de seu partido em surpreendentes 26% das vezes, ocupando a primeira posição no ranking de dissensão da casa.

Com a popularidade de Biden despencando em queda livre – somente na última semana seu índice de aprovação entre eleitores independentes caiu seis pontos –, e com os prognósticos de uma retomada do Legislativo pelos republicanos em 2022, Manchin tem sido o político mais importante do país, contendo sozinho os arroubos de gastança e as ações ultrapartidárias de seus colegas democratas. Enquanto um Joe tem feito de tudo para destruir a nação, o outro tem sido muito mais combativo que muitos dos senadores republicanos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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