Está em curso, nos Estados Unidos, uma das mudanças mais importantes e impactantes para a política americana das últimas décadas. O Partido Democrata de Roosevelt, Truman e Kennedy, aquele que se identificava com o trabalhador de chão de fábrica, com os negros e latinos, com o feminismo e com o bem-estar social, não existe mais. Em seu lugar emergiu um partido de extrema-esquerda, preocupado apenas com pautas ultraidentitárias e divisivas, comprometido com a cultura woke e suas mais horríveis consequências.
A eleição de Trump, em 2016, só foi possível porque muitos dos que sempre votaram nos democratas resolveram, pela primeira vez, votar em um candidato republicano. Foi assim com a classe trabalhadora das regiões industriais do norte do país e foi assim com uma parcela considerável dos latinos. Quase seis anos depois, a penetração republicana nesses segmentos da sociedade só fez aumentar.
Um ótimo exemplo dessa transformação se deu dias atrás, na eleição especial para o cargo de congressista federal pelo 34.º Distrito Eleitoral do Texas. A vencedora foi Mayra Flores, que se torna a primeira mulher nascida no México a servir um mandato no Congresso. Flores obteve 51% dos votos e trouxe ao Partido Republicano um distrito onde o candidato democrata havia vencido as últimas cinco eleições. Mais que isso, um distrito onde Barack Obama teve 61% dos votos em 2012, Hillary Clinton teve 59% em 2016, e Joe Biden teve 51% em 2020. Sim, os latinos não querem mais nada com o Partido Democrata.
A inflação galopante, os combustíveis na maior alta da história, a recessão que bate à porta, tudo isso vai se somar ao descontentamento que já habitava a mente de muita gente, resultando numa onda vermelha nas midterms
As razões para a decepção dos latinos com os democratas do século 21 são várias. A primeira, e talvez a mais forte, é a religião. O povo latino é religioso – cristãos católicos, em sua maioria – e o Partido Democrata está muito mais para demônio que para anjo. Seja pela defesa apaixonada do aborto, seja pelos ataques à inocência das crianças, seja pelo desprezo à família tradicional e à cultura judaico-cristã, o fato é que o discurso democrata de hoje quase não tem reverberação entre os latinos deste lado do Equador.
Um segundo ponto muito importante é a imigração ilegal. Há uma quantidade imensa de imigrantes latinos que vivem legalmente nos Estados Unidos, e um número ainda maior de descendentes desses imigrantes, a primeira geração que aqui nasceu. Essas pessoas não defendem fronteiras abertas, porque valorizam tudo pelo que passaram e o trabalho que tiveram para se estabelecerem aqui de forma legal e correta. Elas sabem que a imigração ilegal traz, ainda que no meio de gente que só quer melhorar de vida, muitos criminosos e traficantes.
Mas não é só no Texas que essas viradas estão acontecendo. Quando os latinos votavam em peso nos democratas, a Flórida era considerada um swing state. Nos últimos 25 anos, o estado deu três vitórias aos candidatos presidenciais democratas e três aos republicanos. E a eleição mais importante do estado – alguns analistas políticos se arriscam a dizer que foi uma das eleições mais importantes da história recente americana – foi decidida por míseros 32.463 votos, ou 0,4% do total, há apenas quatro anos. Ron DeSantis venceu Andrew Gillum sem a maioria dos votos latinos; levou apenas 44% deles. De acordo com as pesquisas recentes, DeSantis deve ser reeleito com votação dez pontos acima do candidato democrata, seja ele quem for, e deve fazê-lo já com mais de 50% do voto latino. O Legislativo estadual corrobora a tese: na Assembleia Legislativa são 78 republicanos e 42 democratas; no Senado Estadual, são 24 republicanos e 16 democratas.
O próximo grupo social a desembarcar do Partido Democrata certamente será o das mulheres. A insanidade da ideologia de gênero, defendida quase que de forma unânime pelo partido, será sua maior queda. A sociedade (pelo menos sua maioria sã) já percebeu que marmanjos tratados a hormônios não devem ter o direito de roubar as medalhas e as vitórias das garotas americanas nos esportes. E o que dizer das meninas que estão sendo estupradas por meninos que se “identificam como meninas”, porque estes são autorizados a usar os mesmos banheiros que elas? E das detentas que engravidam dentro de suas celas, somente porque algum político democrata entendeu que seria uma boa ideia permitir que um detento homem fosse para uma penitenciária feminina apenas porque se identifica como mulher?
Enfim, como já disse outras vezes nesta coluna, novembro tem tudo para ser um banho de sangue. A inflação galopante, os combustíveis na maior alta da história, a recessão que bate à porta, tudo isso vai se somar ao descontentamento que já habitava a mente de muita gente, resultando numa onda vermelha nas midterms. Obviamente, não consigo prever o futuro. Mas, diante das eleições especiais que aconteceram nos últimos seis meses, diante das pesquisas deste ano, diante da baixíssima aprovação do presidente, e diante da falta de noção que o Partido Democrata tem demonstrado – dobrando a aposta na loucura e na divisão da sociedade –, eu não tenho dúvida de que o Congresso e o Senado terão maioria republicana em 2023. E, principalmente no Congresso, não será uma maioria por pouco; muito pelo contrário.
Cabe aos republicanos receber esses novos eleitores e tratá-los como merecem: oferecendo soluções aos seus problemas específicos, sem brincar de papai-Estado, porém com a compaixão e respeito que todo cidadão deve ter, independentemente de sua cor, raça, credo ou sexo. Parece simples, e é.