Tempos atrás, nesta coluna de sempre, citei o livro The Fourth Turning, de William Strauss e Neil Howe. Os autores formulam a tese de que o mundo moderno acontece de forma cíclica, com quatro estágios históricos que se repetem e que fecham um ciclo a cada 80-100 anos. De acordo com eles, o último fechamento de ciclo se deu com o fim da Segunda Guerra Mundial, e cada fechamento cria uma ruptura profunda no modo de vida vigente à época.
Se Strauss e Howe estiverem certos, é bem provável que estejamos finalmente passando pelo próximo fechamento, encerrando o ciclo que se iniciou na década de 1940. No livro, eles falam que é muito comum que uma grande guerra feche um ciclo – a Guerra Civil Americana fechou o ciclo do século 19 e a Segunda Guerra Mundial fechou o ciclo do século 20 –, mas que isso não é necessariamente uma condição. Qualquer evento de magnitude mundial poderia ser classificado como o gatilho do fechamento. Nesse sentido, poucas coisas poderiam ser mais abrangentes e globais que a pandemia da Covid-19.
O mundo pós-pandemia será bem diferente do mundo em que vivemos até algumas semanas atrás
Assumindo que tudo isso seja verdade, ainda que parcialmente, nos resta uma única realidade: lidar com a certeza de uma grande mudança. O mundo pós-pandemia será bem diferente do mundo em que vivemos até algumas semanas atrás. Diante de tamanha mudança, a reação mais comum e natural de um ser humano é sentir medo. Sentimos medo de pequenas mudanças, como uma troca de emprego; quão mais assustadoras são as mudanças que envolvem tudo o que conhecemos como “viver”. A boa notícia é que o mesmo mecanismo mental que usamos para lidar com a mudança pequena pode ser usado para lidar com a mudança gigante: em face do inevitável, é melhor abraçar o destino e tentar tirar o máximo proveito das novas condições que adotar um saudosismo melancólico e mergulhar na inação.
Ninguém sabe exatamente as consequências do que estamos vivendo hoje, a não ser que você acredite em teorias da conspiração e ache que os Illuminati, os Reptilianos ou George Soros estejam por trás da pandemia. No entanto, é possível prever algumas mudanças ou enxergar tendências e, desde que se tenha um olhar otimista, dá para esperar coisas boas. A proliferação do home office, por exemplo, parece ter vindo para ficar. Afinal, muitas empresas adiavam o trabalho e o custo de implementação de sistemas de conexão remota justamente porque não os consideravam algo essencial ou mesmo necessário. Com a correria para colocar todo mundo em casa, essa etapa foi vencida e existe uma boa chance de que parte dos funcionários jamais retorne ao escritório. Menos pessoas significa menos espaço, aluguel menor, redução de custos, mais lucratividade. Outra coisa que deve mudar drasticamente é o distanciamento social. Alguns lamentarão profundamente, mas eu faço parte dos otimistas e vejo isso como uma oportunidade única de fortalecimento das famílias e de laços de amizade mais profundos. Enfim, há muitos aspectos onde é possível enxergar uma realidade futura melhor.
Ser otimista em relação a mudanças não significa abandonar a realidade. É bastante claro que enfrentaremos uma recessão forte, possivelmente uma das maiores da história, e com a recessão vêm desemprego, falências, tempos difíceis etc. Passar por isso é destino que nos cabe, do qual não temos escapatória. Porém, depois de toda recessão vem uma fase de crescimento econômico. E é nisso que precisamos mirar para que não sucumbamos. O mundo pós-guerra da década de 1940 parecia acabado, destruído. No entanto, o que veio depois foi uma era de grande crescimento da humanidade. Houve guerras, crises, ameaça de aniquilação atômica mundial, mas no fim do século estávamos em uma condição de bem-estar jamais experimentada em nenhuma outra época da história. Podemos certamente fazer isso de novo. Sem medo, é claro.