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Flavio Quintela

Flavio Quintela

McItamaraty

Não é raro, especialmente quando se trata de Brasil, que um certo fato domine o noticiário da semana, quase que obrigando todos os formadores de opinião a escrever a respeito. O motivo dessa dominância varia bastante. Uma tragédia natural, um escândalo político, a morte de alguém extremamente famoso, um crime bárbaro e chocante, a eclosão de uma guerra ou a quebra de um grande banco são exemplos de fatos desse tipo. O que se passou na última semana, no Brasil, não se encaixa em nenhum desses exemplos. O fato que dominou a mídia e as redes sociais o fez por ser absurdo e inconcebível: a notícia de que Jair Bolsonaro está considerando indicar seu filho Eduardo para a posição de embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Quando eu era adolescente, naquela época em que começamos a pensar no que seremos quando crescermos, uma das carreiras mais difíceis e cobiçadas que se conhecia era a de diplomata. O Guia do Estudante, saudosa publicação que nos ajudava nessas questões em uma época em que não havia internet, descrevia o árduo caminho para uma carreira no ramo da diplomacia. Não bastava falar um pouco de inglês e ser um aluno mediano. O Instituto Rio Branco era conhecido como um lugar para poliglotas de alta performance acadêmica e o cargo de embaixador do Brasil sempre foi o topo da carreira de qualquer diplomata, sendo o posto nos Estados Unidos o “topo do topo”.

Uma outra coisa que chamava a atenção era o fato de ser uma carreira longa, que exigia paciência. Ninguém se forma no IRBr e já recebe indicação para cargo de embaixador. Há muitas etapas nesse processo: obter formação acadêmica de ensino superior; ser aprovado na prova de seleção para o Curso de Formação do Instituto Rio Branco, recebendo imediatamente o título de terceiro-secretário; concluir o programa com sucesso, passando então a segundo-secretário; na sequência, galgar os postos de primeiro-secretário, conselheiro, ministro de segunda-classe e, finalmente, ministro de primeira-classe, mais conhecido como embaixador. Tudo isso leva tempo, como em qualquer outra carreira, e chegar ao topo é algo que costuma acontecer depois dos 40 anos de idade. Há uma ótima razão para esse tipo de funil hierárquico: a idade traz consigo amadurecimento e experiência, qualidades indispensáveis a posições importantes como as de alto comando. A título de comparação, é impossível para um militar brasileiro chegar ao posto de general antes dos 50 anos de idade, e a média de idade dos CEOs brasileiros é de 47 anos.

Jair Bolsonaro mostra um tremendo desrespeito aos critérios que já fizeram da diplomacia brasileira uma das mais respeitadas do mundo

Eduardo Bolsonaro não preenche nenhuma das qualificações necessárias a um embaixador. Ele não é fluente na língua inglesa – o vídeo de uma entrevista recente, concedida à Fox, evidencia essa deficiência – e muito menos é poliglota, não fez carreira diplomática, não tem idade suficiente, não tem formação na área e não tem um currículo de destaque. Ainda que ele fosse um prodígio, um jovem gênio das relações internacionais, colocá-lo no posto de maior destaque da diplomacia brasileira já seria temeroso; como não é prodígio nem gênio, sua indicação adquire os ares de absurdo que citei no início deste texto.

Ao indicar seu filho despreparado para a embaixada nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro mostra um tremendo desrespeito aos critérios que já fizeram da diplomacia brasileira uma das mais respeitadas do mundo. Pior que isso, ao dizer que, “se a indicação está sendo criticada, é sinal de que é a pessoa adequada”, o presidente cria um método extremamente danoso de validação para seus atos e decisões: basta que a imprensa o critique para que ele esteja ainda mais certo. Isso é o mesmo que dizer que todos que não concordam com ele estão errados.

Se uma grande empresa não coloca alguém sem experiência, sem fluência em inglês e sem idade suficiente para ocupar seu posto de maior destaque, por que o Estado brasileiro faria algo assim? Se as melhores práticas de todos os setores apontam para uma direção, por que o presidente quer seguir em outra oposta? Depois de tanto criticar os governos petistas por sua condução ideológica do Itamaraty, por que Bolsonaro não opta por retomar a grandeza de nossa diplomacia em vez de enterrá-la mais um pouco? Gostaria muito de saber as respostas a essas perguntas. A hipótese “menos pior” seria a de Bolsonaro agir dessa forma por causa de uma cegueira paterna, um desejo quase ingênuo de colocar o filho em destaque. Infelizmente, é também a menos provável. De qualquer forma, somente o próprio presidente poderia respondê-las, e ele dificilmente o fará, mesmo diante de uma onde de críticas vinda dos próprios bolsonaristas. Espero realmente, caso se confirme essa insanidade, que o Senado brasileiro faça o seu papel e vete a indicação de alguém completamente despreparado para ocupar uma posição tão importante. Se não vetar, é melhor já ir lamentando.

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