isento
i·sen·to
adj 1. Que não está obrigado, que está livre de obrigações ou deveres; desobrigado, dispensado: "Pedro foi isento de prestar serviço militar por sua baixa estatura".
2 Que é imparcial, a despeito dos próprios interesses; neutro: “[…] acolheu depoimentos […] a fim de ouvir e comparar os diversos argumentos, para chegar a uma conclusão isenta” (CA).
3 A que falta algo; desprovido de, sem: "Ela é uma mulher isenta de ambições e caprichos".
4 Que tem esquivança, que não se mostra sensível às amabilidades ou galanteios.
Em meio às crises causadas principalmente pelo presidente e seus filhos, os apoiadores de Bolsonaro seguem culpando os “isentões”. Alguns o fazem da posição de “jornalistas”, como se fosse possível fazer jornalismo ao mesmo tempo em que se faz militância por um governo. O código de ética da Society of Professional Journalists (Associação dos Jornalistas Profissionais) diz, entre outras coisas, o seguinte:
A primeira e mais
importante obrigação do jornalismo ético é servir ao público.
Jornalistas devem:
– Evitar conflitos de interesse, tanto reais como aparentes. Informar sobre conflitos inevitáveis.
– Recusar presentes, taxas e viagens de graça, e evitar atividades políticas que possam comprometer a integridade ou a imparcialidade, ou que possam causar danos à credibilidade.
Os isentões continuam defendendo a mesma posição que a resistência de direita defendia durante os governos anteriores: agir como quarto poder, aquele que vigia os atos dos outros três
Por muitos anos, autores e jornalistas de direita insistiram na crítica – corretíssima, por sinal – ao jornalismo com viés ideológico de esquerda, que em muitas oportunidades fez defesa direta ou velada dos governos petistas. Diziam que era necessário um equilíbrio maior nas redações, chamavam diversos jornais e blogs de “imprensa chapa-branca”, e pregavam uma ética quase idêntica à dos códigos de jornalismo como o citado acima.
Hoje, em pleno governo Bolsonaro, a realidade é outra. A imprensa se dividiu ainda mais. Se antes tínhamos a imprensa de esquerda (eles) e a resistência de direita (nós), agora há os isentões formando um terceiro grupo. Melhor dizendo, a adição mais recente foi a mídia bolsonarista, pois os isentões continuam defendendo a mesma posição que a resistência de direita defendia durante os governos anteriores: agir como quarto poder, aquele que vigia os atos dos outros três.
Enquanto os isentões entendem que o governo deve ser constantemente questionado e criticado, a mídia bolsonarista entende que deve proteger o governo das críticas de isentões e da imprensa de esquerda, de forma a evitar um desequilíbrio de forças midiáticas e uma imposição de narrativas que acabam pautando o debate público. Não há nada de errado em um grupo de pessoas desejar fazer isso, por mais que eu discorde e creia que esse comportamento é um sinal claro de subserviência a políticos. Há tudo de errado, no entanto, quando esse grupo considera que faz jornalismo, comumente se descrevendo como “imprensa independente”. Aliás, sobre esse termo, é como a humildade: se você precisa dizer que é, provavelmente não é.
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O que nem a imprensa de esquerda e nem a mídia bolsonarista entendem é que o governo é uma entidade organizada, trabalhando com dinheiro extorquido dos governados, com poder concedido pelos governados, geralmente agindo para atrapalhar a vida deles. Se há uma entidade que deve ser vigiada pela imprensa, é o governo; se há uma entidade que merece ser criticada e colocada à prova, é o governo; se há de se duvidar de alguém, que seja do governo. O jornalista verdadeiro desconfia do governo, porque o governo vem dando razões para isso desde séculos atrás. Não há absolutamente nenhuma razão para que haja imprensa chapa-branca, uma vez que o governo detém o poder bélico, o poder de emitir moeda e regular a economia, e o poder de criar e modificar leis, entre outros. É poder mais que suficiente para justificar uma postura cética e crítica da imprensa. Somente a partir do ceticismo é possível exercer a isenção e a imparcialidade.
A mídia bolsonarista costuma alegar que Lula e Dilma tiveram “vida fácil” no tocante ao escrutínio da imprensa brasileira durante seus mandatos, esquecendo-se do papel importante que o jornalismo investigativo teve no mensalão, no petrolão e em tantos outros escândalos recentes. Mas, ainda que essa alegação fosse totalmente verdadeira, o seu oposto não seria dar vida fácil a Jair Bolsonaro, muito pelo contrário. E é por isso que lemos e ouvimos tantas vezes a expressão “petismo de sinal trocado”, uma clara referência ao uso das mesmas táticas e métodos que eram considerados errados quando praticados pela esquerda, mas que agora são justificados com discursos de governabilidade, teorias conspiratórias e conclamações ufanistas.
Diante de tudo isso, não só me assumo como isentão como o faço com a consciência limpa e sabendo que continuo seguindo os mesmos princípios que têm norteado minha vida, tanto sob governos de esquerda como de direita. A boa notícia é que não estou sozinho nessa. Vida longa aos isentões.