Hoje, finalmente, falarei sobre o candidato que tem a maior fatia das intenções de voto de acordo com todas as pesquisas e nos cenários sem o presidiário de Garanhuns: o presidenciável Jair Bolsonaro.
Falar sobre Bolsonaro é necessariamente falar sobre dois aspectos de sua candidatura: o candidato em si e o movimento que lhe dá apoio praticamente incondicional, que chamarei daqui para a frente de bolsonarismo. Separadas as partes até onde é possível separá-las, falemos sobre cada uma delas.
O candidato
A essa altura do processo eleitoral, todo mundo sabe praticamente de cor a biografia básica de Bolsonaro: nascido no interior de São Paulo (sim, Bolsonaro é paulista) em 1955, cursou a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, a mesma que todo mundo que mora ou morou em Campinas conhece como EsPCEx (pronuncia-se “especex”). Depois de formado, ingressou na famosa Academia Militar das Agulhas Negras, concluindo o programa em 1977. Onze anos depois, começaria a carreira política, tendo sido eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro, pelo Partido Democrata Cristão. Apenas dois anos depois, em 1990, foi eleito deputado federal, primeiro de sete mandatos.
Os 28 anos em Brasília atestam: Jair é um político profissional, e essa é minha primeira crítica ao discurso do deputado. Por mais que tente se colocar como um outsider, o cara de fora, 75% de sua vida profissional se resume a mandatos eletivos no Legislativo. A última coisa que se pode dizer sobre ele é que sua candidatura representa algo novo na política. Pode, é claro, representar algo diferente do que tem sido feito, já que uma das grandes virtudes de Bolsonaro é seu histórico de conduta honesta, sem episódios de corrupção ou enriquecimento ilícito, e sem nem sequer ser citado em investigações criminais. Mas, como disse anteriormente, isso não o qualifica à condição de novidade. Donald Trump foi algo novo que aconteceu na política mundial; Jair Bolsonaro não.
Uma outra característica que, para mim, depõe contra sua candidatura é nunca ter ocupado um cargo no Poder Executivo. Novamente, aos que gostam de compará-lo a Trump, Bolsonaro não tem experiência administrativa pública ou privada. E não adianta argumentar que “Lula não sabia nada de economia” ou “Dilma faliu uma loja de R$ 1,99” porque Lula e Dilma não são parâmetros de comparação: eles representam exatamente o que queremos evitar a todo custo. Nesse aspecto, candidatos como Alckmin, que governou o estado mais rico da nação por muitos anos, e Amoêdo, que tem grande experiência na gestão privada de negócios, são muito mais capacitados. Até Ciro Gomes, que para mim só é opção melhor que Haddad, tem mais traquejo executivo, decorrência de seus mandatos como prefeito de Fortaleza e governador do Ceará.
Avançando, quero falar sobre o aspecto ideológico de Bolsonaro. Embora se apresente como o único candidato verdadeiramente da direita, seu posicionamento histórico e seus mandatos como deputado o definem como um candidato militar acima de tudo. Seja pelo teor de suas propostas e a quem direciona suas emendas parlamentares – quase que exclusivamente a órgãos militares brasileiros –, ou por sua pegada desenvolvimentista, bastante semelhante ao que tivemos durante os governos militares, ele não tem uma visão econômica suficientemente alinhada a princípios conservadores para que possa se denominar como tal. É na defesa da moral judaico-cristã, da família e de alguns direitos individuais, como o de defesa própria, que ele mais se alinha com o conservadorismo. E é justamente dessa defesa que vem seu destaque e seu sucesso, pois a quase totalidade de seus concorrentes ou parte para uma agenda de esquerda, comprovadamente rejeitada pelo cidadão comum, ou prefere varrer esses assuntos para debaixo do tapete, rezando para que não sejam tema de grande discussão durante a campanha. Esse encanto de parte do eleitorado com as virtudes morais de Bolsonaro é minha deixa para analisar o segundo aspecto de sua candidatura.
O bolsonarismo
Recentemente, foi dito sobre Lula: ele já não é mais apenas uma pessoa, é uma ideia. Creio que já seja possível dizer exatamente o mesmo sobre Jair Bolsonaro. O problema de transformar pessoas em ideias é justamente a facilidade que as pessoas têm de abraçar tudo o que é positivo sobre alguém, idealizando um ser próximo da perfeição, e guardar nos porões da consciência as partes ruins, aquelas que podem vir à tona quando esse mesmo alguém for imbuído de uma certa quantidade de poder.
O que vemos no cenário nacional, especialmente nas redes sociais, é uma manifestação constante, coletiva e realimentada de um exército de militantes que só aceita a pregação de uma realidade: a de que Jair Bolsonaro é a única solução para o Brasil, o remédio para o câncer de nossa nação, o único que evitará o grande cataclismo que se anuncia. Ele é o mito, o salvador, o forte, o irrepreensível. Suas falas são sempre perfeitas, seu desempenho em debates e entrevistas é sempre incriticável, sua vida é um exemplo de virtude inigualável.
O bolsonarismo, além de ser cafona e irritante, é também a criptonita do presidenciável, seu maior adversário num segundo turno extremamente provável. Cada vez que um militante vasculha e ataca os perfis de Facebook e Twitter de pessoas que não declararam voto no “mito”, uma pequena ponte é queimada. Gente que poderia votar em Jair no segundo turno, fase do pleito em que não é possível ganhar sem converter eleitores de outros candidatos, poderá votar em seu adversário ou mesmo anular o voto por causa dos ataques histéricos da militância chata que vive para divulgar o número 17 de seu capitão.
No entanto, o pior do bolsonarismo é sua possível versão turbinada pelo poder de um mandato eletivo. Os expedientes que têm sido usados por militantes mais fanáticos, e até mesmo por integrantes do núcleo duro da campanha do candidato, deixam um cheiro ruim no ar, o cheiro do “se fazem assim para chegar ao poder, o que farão quando lá estiverem?”. É esse perigo, que o candidato se recusa a mitigar quando endossa tacitamente tais expedientes, que tem feito a rejeição a Bolsonaro subir quando analisado o histórico de pesquisas desde o início da campanha. E é justamente esse perigo que tem sido explorado pela campanha de Geraldo Alckmin, que acredita – erroneamente, a meu ver – que Jair é o candidato a ser batido na busca de uma vaga no segundo turno. Mas isso será tema da semana que vem.
Finalizando, quero dizer que continuo acreditando na presença de Bolsonaro no segundo turno. A não ser que algo muito podre sobre ele venha à tona, sua votação deve ser a maior dentre todos os candidatos, deixando a disputa real apenas pela segunda vaga. E, por causa disso, tenho defendido o mesmo que diversos amigos e colegas de pena: o voto útil no primeiro turno, com o objetivo de impedir que Haddad seja o adversário do candidato do PSL. Ou seja, quem quer que esteja disputando a segunda vaga com Haddad é merecedor de nossos votos, pois não há futuro pior para o Brasil que ter o poder de volta nas mãos do PT. Esse é um risco que não devemos correr, pois é infinitamente mais real que o “é Bolsonaro agora ou o Brasil acaba” que tem sido divulgado em maiúsculas pela militância bolsonarista. Muito mais importante, nesse momento, é colocar gente boa no Congresso, que bem ou mal foi a instituição que segurou o ímpeto autoritário dos governos petistas por mais de uma década.
Não existe salvador da pátria. Lidemos com isso.