Foto: Evaristo Sa/AFP| Foto:

Mais de quatro anos atrás, quando da última eleição presidencial brasileira, escrevi um artigo sobre a candidatura de Eduardo Campos, que até então levava Marina Silva como sua vice. Eu disse: “Falemos agora de sua vice na chapa, Marina Silva. A companheira de Eduardo construiu sua carreira política no PT, trocando de partido apenas em 2009, quando foi para o PV e se candidatou à Presidência. Ao receber a notícia do insucesso do registro de seu novo partido, chamado de Rede Sustentabilidade, apressou-se em se filiar ao PSB de Campos para viabilizar sua participação no pleito presidencial. Marina possui uma imagem de honesta, além de se declarar socialista e cristã ao mesmo tempo (uma incoerência cuja refutação o leitor poderá também encontrar em meu livro). Mas suas posições não são nada moderadas – ela defende um Estado ainda mais à esquerda do que Eduardo e, por isso, em vez de agir como agente de equilíbrio na candidatura, trazendo-a mais ao centro, ela é para mim a confirmação de que essa candidatura tem um pé no socialismo e o outro também. Tanto é que será um candidatura de chapa pura, 100% PSB”.

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Com a morte trágica de Campos, Marina assumiu a cabeça da chapa e concorreu tendo Beto Albuquerque como vice. Conseguiu pouco mais de 22 milhões de votos – 21% do total de votos válidos –, insuficientes para levá-la ao segundo turno. Quatro anos antes, concorrendo pelo PV, Marina chegara a quase 20 milhões de votos, equivalentes a 19% dos votos válidos. Ou seja, nem mesmo depois de herdar a cabeça de chapa de Eduardo Campos, um candidato que vinha muito bem cotado nas pesquisas, e sob as condições mais trágicas e emocionalmente impactantes possíveis, Marina conseguiu evoluir muito além de sua votação anterior. Quais as razões dessa incapacidade?

Em primeiro lugar, Marina tem um comportamento que lembra muito o de um cometa: aparece de quatro em quatro anos e nada se ouve dela no intervalo entre as aparições. Em um ambiente político tóxico e corrupto como o brasileiro, alguém até poderia argumentar que é melhor não aparecer que aparecer negativamente. Embora essa estratégia possa funcionar bem com bandas musicais, que desaparecem por um tempo e um dia ressurgem lançando um disco fantástico, em política a coisa é bem distinta. Ainda que Marina aparecesse repaginada e cheia de novidades, ficar de fora do debate político por tanto tempo seria quase garantia de ostracismo e irrelevância. Imagine sem nenhuma novidade, então.

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Outra razão tem a ver com a plataforma repetitiva e démodé que ela defende. Política que já foi cool um dia (pelo menos para a esquerda festiva brasileira), Marina continua com o mesmo discurso de dez anos atrás, e o dirige a um público nitidamente cansado e repelido pela política tradicional. Nem a sua suposta religiosidade pode ajudá-la a sair dos 20 milhões de votos, já que a grande maioria dos cristãos tende muito mais a posições conservadoras que de esquerda.

Por fim, Marina apresenta uma instabilidade muito grande no tocante à fidelidade ideológica e partidária. A candidata começou sua carreira política como sindicalista, pelo PT do Acre (passado negro que jamais poderá apagar), chegou a ser ministra no governo Lula, depois se mudou para o PV; em meio ao atraso no processo de formação da Rede Sustentabilidade, teve de se filiar em caráter emergencial ao PSB para não perder a chance de concorrer em 2010. Confirmado o resultado do primeiro turno, declarou apoio a Aécio Neves, confundindo grande parte de seu eleitorado (a parte mais à esquerda). A Rede, sua cria e atual partido, tem uma bancada microscópica: dois deputados federais e um senador. Este último, Randolfe Rodrigues, começou sua carreira política no PT, onde ficou por 14 anos; depois, passou mais uma década no PSol, até vir para a Rede em 2015. Como se pode ver, um histórico bem à esquerda no espectro político.

Em suas raras aparições fora do período de campanha, Marina não diz nada de novo e não ajuda muito com suas declarações. Em abril deste ano, disse que fará uma “campanha franciscana” e que PT, PSDB, PMDB e DEM deveriam tirar férias, uma tentativa muito fraca de dissociar sua imagem da velha política brasileira. Em maio, disse que liberar armas é uma insanidade e que não é papel do cidadão fazer justiça com as próprias mãos, mostrando uma grande ignorância sobre o tema, já que nenhum defensor do armamento civil o faz com a ideia de justiçamento, mas sim de defesa própria diante de criminosos. No mês seguinte, declarou-se contra o aborto, mas a favor de um plebiscito sobre o tema, no intuito de não afastar o eleitorado de esquerda, que não abre mão desse “direito” macabro. No início de julho, disse que sofre preconceito por ser evangélica, sem conseguir citar nenhum exemplo concreto. Enfim, para usar uma expressão popular, uma candidata sem sal nem açúcar.

A frouxidão do discurso de Marina e sua própria imagem de fragilidade devem levá-la, no máximo, ao mesmo patamar de votos da eleição de 2010. A presença de um candidato como Jair Bolsonaro, que faz campanha direcionada ao eleitorado conservador, deve fazer com que Marina perca muitos votos cristãos, e seu nicho de influência ficará confinado ao restante das pessoas que lhe deram o voto nos dois últimos pleitos: o pessoal da esquerda caviar; “cristãos” socialistas; ambientalistas; progressistas moderados; gente que pegou nojo do PT, mas não admite votar em um conservador; alternativos, e outras turmas semelhantes. Não considero que ela tenha chances de ir ao segundo turno e, por conseguinte, não me preocupo com sua candidatura. Um Brasil governado por Marina seria um que eu não desejaria para meus parentes e amigos, mas certamente não perderei um minuto de sono por tão improvável realidade. Esta deverá ser sua última tentativa como candidata. As derrotas e a idade muito provavelmente não lhe permitirão concorrer em 2022.