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O oposto simples

Foto: Agência O Globo (Foto: )

Tenho comigo que o mais forte motivo pelo qual a esquerda vem perdendo força entre as pessoas comuns – aquelas que não politizam cada mínimo aspecto de suas vidas – é justamente o descolamento entre seu discurso e prática e a realidade objetiva. A defesa de pautas alheias àquilo em que a maioria das pessoas acredita é uma prática tão comum como alienadora em partidos como PT, PSol e PCdoB (no caso dos Estados Unidos, grande parte dos democratas age dessa forma). O descolamento, por sua vez, cria uma bolha dentro da qual os formadores de opinião (se é que ainda se pode chamá-los assim) passam a viver e reverberar suas ideias desprovidas de lastro real uns para os outros, achando que estão atingindo os ouvidos dos pobres e oprimidos.

A eleição de Jair Bolsonaro é a prova de que os eleitores estão cansados de ver essa distância entre discurso e realidade aumentar cada vez mais. Mais do que isso, estão cansados de ouvir sempre as mesmas respostas estapafúrdias à pergunta que tanto os aflige: qual é a solução para as mazelas do povo brasileiro? Obviamente que a resposta não é fácil, mas também não se resume à implementação de padrões sectários de justiça, nem a teorias absurdas de compensação histórica e muito menos à ditadura mental do politicamente correto. Essas ferramentas de remoção de liberdades têm sido usadas pela esquerda, ao redor do mundo, para promover sua agenda. E, mesmo com todo o poderio econômico por trás de si, um poderio construído com o apoio de gigantes do setor tecnológico como Facebook e Google, de famílias tradicionais de bilionários e de governos assustadoramente poderosos, o discurso simples do conservadorismo continua na cabeça das pessoas, basicamente por ser algo muito mais natural que os exercícios retóricos de redistribuição de renda, que as classificações infindáveis de classe, raça e gênero, e que as listas de palavras e expressões proibidas em qualquer discurso público contemporâneo.

Ocorre que, diante desse fenômeno, não devemos adotar o simples oposto para reconquistar a hegemonia cultural e consolidar a base de apoio popular a governos inspirados no conservadorismo, no liberalismo e em outros ismos de direita. O simples oposto é justamente isso: simples demais. Querer apenas o oposto geralmente implica em agir baseado numa visão maniqueísta e binária da realidade, e o potencial negativo desse tipo de visão é enorme. Tomemos como exemplo o caso do politicamente correto. A realidade anterior ao policiamento ideológico que temos sofrido nas últimas duas décadas era bastante corriqueira: branquelos, negões, japas, quatro-olhos, gorduchos, paus-de-virar-tripa, bichas e broncos sempre conviveram em harmonia na sociedade brasileira, mesmo com Os Trapalhões, TV Pirata, Costinha, Ary Toledo e Casseta & Planeta abusando de expressões que causariam comoção nas redes sociais de 2018. Até que, finalmente, alguém sem “papas na língua” vence a eleição presidencial e injeta coragem em uma quantidade enorme de gente até então aprisionada nos calabouços do politicamente correto. E qual é a reação desse pessoal? Praticar o oposto. E o oposto, em vez de se traduzir numa descontração amistosa, acaba sendo entendido como uma licença para ser mal-educado, grosseiro e estúpido.

Um outro exemplo de adoção do oposto é a violência contra as mulheres. Esse problema terrível, que existe e é vivenciado por mulheres do Brasil inteiro, tem feito parte da agenda de esquerda há algum tempo, talvez porque combine bem com o feminismo ou com o sectarismo de gênero. A ênfase foi tamanha que um conceito absurdo como o feminicídio é hoje bastante difundido, mesmo sendo algo que carece completamente de lógica. Na ânsia de praticar o simples oposto, temos visto a “direita” brasileira diminuir o problema (ou mesmo ignorá-lo) a proporções irrealmente baixas, tratando o tema com irresponsabilidade e sem um mínimo de empatia sequer. Em vez de buscar o equilíbrio e a moderação, muitos partem para a abordagem jocosa do “isso é frescura” ou “reclame lá com as feministas”.

Sou conservador e sempre serei. O conservador não é binário, não é maniqueísta, não acredita em soluções miraculosas e muito menos em aplicar simples opostos para resolver situações complexas. Alguém poderia argumentar, com muita propriedade, que ser conservador é muito mais difícil que ser de esquerda. Afinal, a esquerda não precisa se preocupar em manter uma coesão de atitude e pensamento, não precisa ter medo de ser hipócrita, e ainda pode contar com um vasto apoio da grande imprensa para difundir suas bobagens. Ao conservador cabe não somente combater o mal com inteligência e prudência como também ponderar suas respostas para não mover o pêndulo histórico de tal modo que gere problemas da mesma magnitude, apenas na direção contrária. Não tenho dúvida de que esse alguém seria certeiro em sua argumentação. Afinal, o conservadorismo é, por assim dizer, o comportamento adulto e maduro, aquele em que as responsabilidades individuais são condição sine qua non para a conquista das liberdades que tanto prezamos. Quando um futuro ministro concede entrevista e se vangloria de sua grosseria para com uma repórter, achando que “falar a verdade” implica em abandonar a cordialidade e a boa educação, é sinal de que algo já começou com problemas. Obviamente, não estou advogando que sejamos lordes ingleses ao tratar com inimigos, mas não era o caso do episódio citado: Paulo Guedes tratou uma jornalista argentina com estupidez gratuita, nada além disso.

Se a direita brasileira insistir em praticar o simples oposto pelos próximos quatro anos, deve também se preparar para o resultado disso. O mesmo povo que não quer ninguém lhe dizendo se pode ou não fazer uma piada também não quer alguém o tempo todo lhe dando um tapa no pescoço. A história política está repleta de viradas de popularidade em curtos períodos de tempo, geralmente frutos de interpretações equivocadas da realidade. Foi sobre esse tipo de erro que a esquerda raiz construiu todo o seu discurso, numa época em que as pessoas eram fortemente exploradas por capitalistas malvadões, crianças iam cedo trabalhar em fábricas insalubres e mulheres não tinham direito a muita coisa. A última coisa de que precisamos é resgatar práticas e comportamentos verdadeiramente ruins e apresentá-los à sociedade sob um manto de combate à ideologia de esquerda. Fazer isso é garantir o combustível para uma reação ainda mais radical de uma esquerda que está longe de estar morta, além de ser uma tremenda burrice.

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