Depois de um tempo longe desta coluna, volto a escrever semanalmente sobre assuntos diversos, com ênfase em política brasileira e americana. Em especial, nos próximos dois meses, pretendo abordar mais a americana que a brasileira, dada a proximidade das eleições presidenciais por aqui. Para este texto de retorno, escolhi um tema premente, o racismo nos Estados Unidos.
Não é segredo para ninguém que a imprensa brasileira se pauta, quase que exclusivamente, por três ou quatro empresas de mídia americanas quando quer dar seus pitacos sobre assuntos em voga neste lado do Equador. CNN, The New York Times e The Washington Post são, de longe, as fontes mais citadas por suas “afiliadas" em solo brasileiro, Folha, Globo, Estadão e UOL. Quando querem variar um pouco, citam a Bloomberg. Ocorre que essas empresas representam a fina flor do progressismo americano, tanto que são claramente identificados como “liberal media” por qualquer gringo que goste de discutir política.
Abre parênteses: nunca é demais lembrar que o termo “liberal”, em inglês, não tem a ver com o liberalismo econômico que é tão discutido no Brasil – aquele que, supostamente, o Paulo Guedes defende. O termo em inglês tem conotação política e significa, literalmente, “de esquerda” ou “progressista” (que não deixa de ser um eufemismo para “de esquerda”). Fecha parênteses.
Faz sentido dizer que os Estados Unidos da América são um país racista? Minha resposta é simples e direta: não
Para a mídia americana de esquerda, os Estados Unidos são um país extremamente racista, uma vergonha diante do mundo. Aliás, a convenção do Partido Democrata foi, basicamente, um amontoado de discursos em torno do mesmo tema: precisamos nos envergonhar do país que somos. Esse tema, por sua vez, é um requentado do que sobrou de Barack Obama, um presidente que passou oito anos pedindo desculpas para o mundo. Mas será que faz sentido dizer que os Estados Unidos da América são um país racista? Essa afirmação tem algum lastro na realidade?
Minha resposta é simples e direta: não.
O único motivo pelo qual uma parcela dos americanos cai nessa conversa é justamente a falta de noção que eles têm do que acontece fora daqui. Eles entendem seu país sob a falsa correlação entre índices socioeconômicos agrupados por raça e políticas sistemicamente racistas. Quando, na verdade, não existe outro país no mundo em que negros, latinos, indígenas, imigrantes e quaisquer minorias de que se possa lembrar tenham tanta oportunidade e liberdade para viver, empreender, se expressar e lutar com seus próprios meios por uma vida melhor.
Eis alguns dados que corroboram minha afirmação:
- Os Estados Unidos têm mais imigrantes em seu território que qualquer outro país do mundo. Quase 45 milhões de pessoas que vivem aqui nasceram em outro país. Isso significa mais de 12% da população (uma em cada oito pessoas);
- Não existe nenhum país do mundo que não tenha imigrantes vivendo nos Estados Unidos. Absolutamente todos os povos estão representados em algum grau nesta que é a maior aplicação prática da democracia em toda a história humana;
- A renda per capita da população negra americana, embora inferior à da população branca ou asiática, ainda é maior que a renda per capita de 150 países, incluindo todos os países da América Latina, todos os países da África, mais da metade dos países da Europa e a grande maioria dos países da Ásia;
- Nenhuma outra grande nação, pelo menos entre as que ocupam as primeiras posições em desenvolvimento humano e econômico nos diversos rankings mundiais, já teve um negro ocupando o cargo político de maior poder e importância. Barack Obama foi presidente por oito anos. O mais próximo disso é Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, que fez um “black face” quase 20 anos atrás e se mantém no cargo desde 2015;
- Enquanto brancos perfazem 73% da população e 21% dos milionários, negros perfazem 12% da população e 7% dos milionários. Asiáticos, por sua vez, perfazem apenas 5% da população e incríveis 22% dos milionários;
- O porcentual de negros nas forças policiais é de 12,8% – acima, portanto, da média porcentual populacional;
- Grandes empresas americanas têm ou já tiveram negros em altos postos de comando. Merck, American Express, McDonald’s, Lowe’s, Delphi e Xerox são alguns exemplos.
Enquanto isso, no Brasil do amor, no Brasil da miscigenação, a quantidade de negros ocupando cargos executivos e vivendo com renda nos níveis mais superiores da pirâmide social continua próximo de zero. E o jornalista que só se informa pelo Google e pelo site da CNN continua achando que são os Estados Unidos que destroem a esperança de negros, latinos, imigrantes e minorias em geral. Ele ignora, por exemplo, que a polícia do Rio de Janeiro mata, sozinha, uma vez e meia mais que todas as polícias americanas combinadas, por ano. Por mais que as cenas de brutalidade de policiais americanos possam nos incomodar (com razão), menos de mil pessoas morrem por ano, incluindo todas as raças, pelas mãos de policiais aqui nos Estados Unidos. Isso corrobora o que mencionei anteriormente: o cidadão americano não tem ideia do que é a vida fora daqui. Ele não tem noção da realidade de uma favela ou mesmo de uma cidade falida no agreste nordestino.
Ainda que o analista da Globo fale ou o estagiário do UOL escreva, a realidade não se dobra. Os protestos do Black Lives Matter movimentaram muita gente aqui logo depois da morte de George Floyd. Eu vi pessoas de todas as raças e etnias se revoltando com a brutalidade do policial. Mas tudo tem um limite. Se nem presidiários respeitam criminosos que são condenados por abuso sexual, por que a população se revoltaria com um policial que atirou em um criminoso desse tipo que resistiu à prisão e saiu correndo em direção ao seu veículo? Jacob Blake tinha um mandado de prisão por abuso sexual e diversas ocorrências de violência familiar. O resultado das quebradeiras, incêndios e saques da última semana já surgiram em pesquisas eleitorais: o apoio popular aos protestos caiu em todos os grupos, incluindo os eleitores democratas. Entre independentes e republicanos, como era de se esperar, caiu em dobro. A coisa foi tão devastadora para a campanha de Joe Biden que Don Lemon, da CNN, disse com todas as palavras: “Os protestos precisam acabar. Estão refletindo nas pesquisas. Eles são a única coisa que está grudando nos democratas”. Como todo bom “progressista”, a preocupação é sempre com o poder, com o impacto das desgraças na próxima eleição. Nunca é com as pessoas e com suas tragédias.
Para o bem dos Estados Unidos e do mundo, é imperativo que cidadãos de todas as raças e credos parem de emprestar suas lutas a políticos inescrupulosos e seus partidos escravocratas. Mais que isso, a população negra americana não pode mais continuar refém do pensamento muito bem sintetizado pelo candidato Joe Biden quando disse que negros não são verdadeiramente negros se consideram votar em Donald Trump. Na festa dos democratas, ninguém pode fazer o que quer. Só é permitido agir como o partido determina. Isso pode até colar em alguns lugares, não aqui. Esta nação foi fundada sobre princípios de liberdade, e esses princípios estão arraigados no jeito de pensar do americano. É por isso que Donald Trump tem grandes chances ser reeleito em novembro. E, provavelmente, por uma diferença considerável de votos no colégio eleitoral.