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O pequeno capeta alado

Divulgação (Foto: )

Vai fazer quatro anos que me mudei para os Estados Unidos. Mas esse tempo ainda não foi suficiente para apagar de minha memória as incontáveis campanhas contra a dengue que marcaram cada um dos meus sei lá quantos verões no Brasil. A história repetitiva me inspirou até um pequeno poema:

Acabou o outono, começam as chuvas, vem o mosquito, começa a epidemia, vem o governo, começam as campanhas, de nada adianta, vêm os doentes, acaba o verão, o mosquito sossega, até logo mais, no ano que vem.

Logo depois que me mudei para a Flórida, começaram as notícias da epidemia de zika no Brasil. A coisa foi tão violenta que muitas mães que tinham condições financeiras vieram passar a gravidez por aqui, pelo medo de que seus bebês nascessem com microcefalia. Especialistas davam entrevistas pedindo que os casais adiassem seus planos de procriação, e grávidas tomavam banho de imersão em repelente. Juntamente com o zika, outra doença de nome esquisito aparecia nas manchetes e matérias jornalísticas, a tal chikungunya. Essas duas moléstias, mais a dengue e a febre amarela, são transmitidas por um ser que só pode ter sido invenção do capeta, o mosquito Aedes aegypti.

Aqui na Flórida, qualquer doença cuja transmissão possa ser facilitada pela presença de água doce em abundância é um grande problema e uma preocupação para o governo. Afinal, o estado tem mais de 30 mil lagos espalhados por seu território, totalizando uma área molhada de 12 mil quilômetros quadrados, maior que o estado de Alagoas inteiro. Era de se esperar que o capeta alado fizesse a festa aqui, deixando um rastro de moribundos no verão extremamente quente, úmido e chuvoso da Flórida. Felizmente, nada disso aconteceu. Logo que os primeiros casos de zika foram documentados, todas as agências de saúde agiram de maneira rápida e coordenada para conter a ameaça. Todos os estabelecimentos médicos e farmácias do estado exibiam cartazes sobre a doença, e cada paciente que passasse por uma triagem era indagado sobre viagens recentes a países com casos registrados. O objetivo, de acordo com um médico que entrevistei na época, era construir um mapa de ocorrências com elos causais, isolando os casos no menor tempo possível e atacando pontualmente as áreas geográficas afetadas. Ou seja, agir com inteligência e precisão para não ter de borrifar inseticida ao redor de 30 mil lagos, tarefa que seria não só impossível, mas também inócua, como nos prova o caso brasileiro.

A epidemia de zika passou, mas o mosquito continua apavorando o Brasil. A bola da vez é a febre amarela, uma doença que jamais pensei que pudesse contrair, a não ser que resolvesse passar férias na Amazônia. Na verdade, lembro-me de que fui vacinado contra essa peste quando trabalhava como engenheiro de telecomunicações. Tivemos um projeto em Belém do Pará e a empresa exigia vacinação para aquela região. Fosse hoje, teria de ser vacinado mesmo que fosse programar uma central de telefonia celular na Avenida Paulista.

Não sou especialista em saúde pública, mas desconfio que a causa de o Brasil não conseguir lidar com essas epidemias que surgem ano após ano deve ter a ver com algumas causas gerais de nosso insucesso como nação: falta de seriedade, aplicação do “jeitinho” a quase tudo, corrupção em todas as esferas políticas e aparelhamento do Estado. Em outras palavras, pessoas incapazes que, beneficiadas por seus contatos políticos, são colocadas para gerenciar de qualquer jeito uma montanha de dinheiro de impostos cuja parcela significativa é desviada para os bolsos dos corruptos, e cuja parcela restante servirá para bancar uma estrutura ineficiente e completamente sem governança. Aplica-se isso a tudo no Brasil; quando se aplica à saúde pública, quem sai ganhando é o mosquito.

Ano que vem tem mais.

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