As nomeações de Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh para a Suprema Corte americana são apenas a camada visível de uma transformação incrível que está em curso nos Estados Unidos da América. Dentre os legados da presidência de Donald Trump, o Judiciário federal será muito provavelmente o que mais se perpetuará no tempo, podendo se estender por várias décadas.
O sistema judiciário americano, em seu nível federal, é composto por três tipos diferentes de tribunais: tribunais distritais, onde ocorrem os julgamentos; tribunais de circuito, onde se julgam recursos de primeira instância; e a Suprema Corte, que julga os recursos de última instância. O sistema tem 94 tribunais distritais, 13 tribunais de circuito e uma Suprema Corte. Há ainda 25 tribunais de atuação restrita, como por exemplo o Tribunal de Recursos de Veteranos de Guerra, o Tribunal de Comércio Internacional e o Tribunal de Impostos.
Ao contrário do Brasil, em que praticamente qualquer tipo de litígio pode chegar aos tribunais superiores de Brasília, nos Estados Unidos o escopo de atuação da Justiça federal é muito bem definido e respeitado. Os tribunais têm jurisdição limitada a casos autorizados pela Constituição e por estatutos federais. Os 94 tribunais distritais têm um total de 682 juízes, e variam grandemente em tamanho – desde apenas um juiz, como no Distrito de Guam, até 28 juízes nos Distritos Sul de Nova York e Central da Califórnia, maiores tribunais distritais do país. Os 13 tribunais de circuito são colegiados, também com número variável de juízes – o circuito com menos juízes é o Primeiro, com seis magistrados, e o com mais juízes é o Nono, com 29 magistrados –, e totalizam 179 juízes. Por fim, a Suprema Corte tem, atualmente, nove integrantes. Todos os juízes desse sistema, incluindo os tribunais de atuação restrita, são indicados diretamente pelo presidente da República e confirmados pelo Senado norte-americano. A título de curiosidade, juízes de tribunais distritais e de circuito são chamados de judges e juízes da Suprema Corte são chamados de justices.
Desde que começou seu mandato, Donald Trump já indicou 111 juízes para tribunais distritais (53 dos quais já confirmados pelo Senado), 41 juízes para tribunais de circuito (29 dos quais já confirmados pelo Senado) e dois juízes para a Suprema Corte, ambos confirmados pelo Senado. O que está acontecendo nos Estados Unidos é uma correção de rumo extremamente importante, com o Poder Judiciário retornando ao tipo de atuação que se espera dentro das regras republicanas e democráticas, a saber, julgar os casos com base na interpretação da lei e nas jurisprudências já estabelecidas. O desvio perigoso que se estava tomando era na direção do ativismo judiciário, prática muito comum e conhecida pelos brasileiros, que têm visto o Supremo Tribunal Federal atuando dessa maneira há anos. O ativismo judiciário consiste na atuação propositiva dos juízes a fim de criar entendimentos e jurisprudência em assuntos sobre os quais não existem leis estabelecidas. Em outras palavras, é o Judiciário atuando como Legislativo, num claro extravasamento de seus limites de atuação definidos pelas regras constitucionais. As escolhas de Trump para os diversos níveis do Judiciário federal americano estão recaindo sobre juízes que prezam pela separação de poderes e pela atuação restrita à interpretação e julgamento. Os desdobramentos dessa quantidade enorme de indicações se darão por muito tempo, e seu resultado mais provável é um Judiciário muito mais próximo do que os fundadores da nação e signatários da Constituição vislumbravam, que não por acaso é diametralmente oposto ao entendimento e desejo da esquerda sobre esse tema.
Com a provável confirmação da vitória de Jair Bolsonaro no pleito presidencial, um grande desafio se coloca à sua frente: agir para frear o impulso ativista que tem levado juízes dos mais variados tribunais, especialmente do STF, a criar leis que somente o Legislativo poderia criar, e a cancelar outras que o Legislativo criou de forma coerente e respeitosa ao texto constitucional. O próprio processo eleitoral foi alvo de uma “carteirada” do STF, que derrubou o artigo 2.º da Lei 13.165/2015, que determinava a obrigatoriedade de impressão do voto, alegando haver risco de o voto ser violado, argumentação mais cabível a uma turma de ensino primário que a um colegiado com os juízes supostamente mais bem capacitados do país. O próximo presidente da República deverá indicar de dois a cinco ministros para o STF. Celso de Mello e Marco Aurélio deixam o tribunal antes de 2021; Carmen Lúcia já deu a entender que pode pedir aposentadoria antecipada; e Rosa Weber e Ricardo Lewandowski deixam a corte em 2023, já dentro de um possível mandato de reeleição do futuro presidente. Cinco indicações são mais que suficientes para modificar profundamente o tipo de atuação do STF e trazê-lo para perto dos preceitos constitucionais republicanos.
O ativismo judicial nada mais é que uma praga antidemocrática que a esquerda inventou para passar ao largo do processo legislativo representativo. E, como toda praga, precisa ser eliminada. Que essa tarefa tão importante não seja esquecida por Jair Bolsonaro, que cada dia mais aproxima-se de se tornar o próximo presidente do Brasil.
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