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Flavio Quintela

Flavio Quintela

Quero o divórcio

voto impresso - terceira geração - eleições 2022
Protótipo de uma urna de terceira geração, uma tecnologia eleitoral mais avançada do que a urna eletrônica usada no Brasil (Foto: Mário Gazziro/UFABC)

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A questão do voto impresso e o modo com que a imprensa teoricamente de direita tem abordado o assunto me levaram a tomar uma decisão pessoal: estou pedindo o divórcio ao conservadorismo brasileiro. As constantes puladas de cerca – tanto com o messianismo político como com a guerra de narrativas da grande imprensa – me tiraram a confiança que tinha nesse relacionamento. A separação é inevitável.

Sem querer ser repetitivo, mas já sendo, Bolsonaro é um péssimo político e um tipo de Midas do mundo bizarro, que estraga tudo o que toca. Sua incapacidade de ser equilibrado e de mostrar um mínimo de sensatez faz com que qualquer pessoa comprometida com a verdade e com os princípios do conservadorismo clássico não queira apoiá-lo em seu papel de governante. Mas isso não significa, de forma alguma, que tudo o que ele defenda seja objeto de repúdio. O verdadeiro conservador deve sempre estar pronto a apoiar as ideias e iniciativas que visam mover a sociedade em direção a uma situação de maior justiça e prosperidade, ao mesmo tempo em que mantém uma constante desconfiança de todo e qualquer político e de suas intenções.

Considero um dos maiores erros da atualidade a campanha, quase que unânime na imprensa brasileira, contra a PEC do voto impresso

Dito isso, considero um dos maiores erros da atualidade a campanha, quase que unânime na imprensa brasileira, contra a PEC do voto impresso. Pouco me importa se Bolsonaro está abordando o tema com declarações inflamatórias ou com ameaças veladas. O fato é que nossas urnas não são confiáveis e auditáveis, e nenhum país sério deste mundo utiliza urnas desse tipo, totalmente eletrônicas. Considerar o que o TSE tem dito sobre o assunto como verdade incontestável é abandonar o ceticismo que deveria permear nossa relação com o Estado. O TSE é o Estado. E o Estado precisa ser vigiado, criticado e escrutinado.

Pior que isso, o TSE é presidido por um ministro do STF, aquele mesmo tribunal que até pouquíssimo tempo atrás era considerado pela grande maioria dos conservadores brasileiros como um dos cânceres do Brasil, há décadas afrontando os direitos básicos dos brasileiros, protegendo criminosos e agindo fora do seu papel institucional através de um ativismo judicial que atropela os outros poderes. Foi assim quando interferiram em lei aprovada em ambas as câmaras legislativas federais, que havia instituído a obrigatoriedade do voto impresso em 2009. Nessa época, a medida foi festejada com unanimidade por toda a centro-direita brasileira, em todas as suas tribos e correntes ideológicas.

O conservadorismo brasileiro se mostrou à altura de quase tudo o que é brasileiro: uma esculhambação de algo que era originalmente bom

Mas o meu pedido de divórcio, como já disse acima, é pelo conjunto da obra. Do lado do bolsonarismo, é pela vassalagem a um político “outsider” com 30 anos de carreira; pela elevação de um sujeito sem princípios e oportunista à figura de estadista enviado por Deus para salvar o Brasil; pelo abandono da ética em prol da defesa incondicional de um governo ruim; pela ascensão do trogloditismo como única maneira de se tratar as pessoas com opiniões diferentes; e pela repetição das práticas que no passado eram motivo de indignação, mas agora são justificáveis simplesmente por terem mudado de lado.

Do lado do antibolsonarismo, é pela aliança com uma imprensa mentirosa, que não desperdiça qualquer oportunidade de promover a agenda da esquerda radical; pelo apoio à censura, seja das Big Techs ou do Judiciário, que continua em vigor com bloqueios de perfis e cancelamentos virtuais; pela falta de indignação para com a prisão de um jornalista pelo crime de opinar, coisa que até pouco tempo atrás só víamos em Cuba e Venezuela; e pelo abandono da defesa das liberdades básicas individuais. De ambos, pelo flerte descarado com o autoritarismo, desde que seja do lado “certo”.

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Em resumo, o conservadorismo brasileiro se mostrou à altura de quase tudo o que é brasileiro: uma esculhambação de algo que era originalmente bom. Virou um apanhado de grupos pró-Estado, cada um apoiando o poder que mais lhe agrada ou convém. A busca pelo bem maior e pela liberdade do indivíduo ficou soterrada pela defesa de lados, que não permite a cessão de um milímetro sequer, sob o pretexto de dar espaço ao inimigo. Obviamente, não sobra espaço nem para a razão e nem para a verdade.

Como dizia minha avó, pior que isso, só dois disso.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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