No último dia 24, o deputado federal mais votado da história do Brasil – é assim que Eduardo Bolsonaro se apresenta em sua conta oficial de Twitter – postou o seguinte texto:
“Parte da imprensa diagnosticou erroneamente q o SAJ Jorge Oliveira @jorgeofco pode ser obstáculo para que o nome preferido deles chegue ao STF. Assim, esta (sic) extrema imprensa não pára (sic) de produzir fake news para jogar todos contra Jorge
Desconheço pessoa mais leal a JB do que Jorge.”
O tuíte em questão expõe com clareza o entendimento que a família Bolsonaro tem dos valores republicanos. Ainda que o autor negue ou alegue que seu tuíte esteja sendo interpretado de forma equivocada, a mensagem passada é bastante direta: o deputado considera a lealdade ao seu pai, Jair Bolsonaro, uma qualidade importante para um eventual indicado ao Supremo Tribunal Federal. Nada poderia estar mais distante do que se espera de qualquer ministro do Supremo.
A república bolsonarista está muito mais para monarquia absolutista que para tripartição clássica dos poderes
A corte mais alta do país tem como principal objetivo julgar a procedência constitucional de leis, ações e decisões judiciais. Em outras palavras, são os guardiães da Constituição. Não cabe ao objetivo deste artigo citar as inúmeras críticas ao modo de atuação do STF nos últimos anos, que passa longe do ideal. É bastante óbvio que a corte tem adotado um ativismo judiciário completamente fora do seu escopo de atuação. Tão ruim ou pior é vê-la sendo usada como tribunal de soltura de bandidos com acesso à montanha de dinheiro necessária para se subir um processo ao topo do Olimpo judiciário. Nenhum cidadão de bem, que preze pela justiça e pelo bom uso do dinheiro público, aprova esse lado negro do STF. Mas, como diria a minha avó (e provavelmente a sua também), dois erros não fazem um acerto. A indicação de novos membros deve sempre buscar sanar os defeitos da corte atual com base no respeito ao princípio único que deveria nortear um ministro do STF: lealdade somente ao texto constitucional e a nada mais.
Quando Eduardo Bolsonaro elogia a lealdade de Jorge Oliveira a Jair Bolsonaro, a mensagem que passa é de que enxerga o Executivo como um poder acima dos outros. Neste caso, refere-se diretamente ao Judiciário, mas há outras ocasiões em que os Bolsonaro fizeram observações semelhantes em relação ao Legislativo. Assim, a república bolsonarista está muito mais para monarquia absolutista que para tripartição clássica dos poderes. O bolsonarismo, em sua essência, vive do flerte com soluções antirrepublicanas e não democráticas, sempre evocando o temor do retorno da esquerda petista ou de algo ainda pior. Ora, o conservadorismo não pode ser confundido com a aplicação dos métodos políticos da esquerda sobre uma base de princípios econômicos liberais (o que muita gente tem chamado de petismo de sinal trocado). O conservadorismo consiste na mudança gradual das instituições por meio de pequenas e sucessivas correções nas mesmas. No caso específico do STF, o que seriam essas correções? Indicar pessoas de caráter ilibado, sem vínculos políticos, com contribuição relevante na área jurídica e altamente conhecedoras da Constituição e de suas idiossincrasias, por exemplo, já seria um ótimo começo. Sim, soa superutópico, mas não deixa de ser a melhor opção.
Nesse sentido, não se equilibra uma corte que pende à esquerda política com ministros “extremamente evangélicos” ou direitistas até a alma. Equilibra-se com ministros de visão equilibrada e que respeitem o texto constitucional em tudo o que fizerem. Haverá ocasiões – e não serão poucas – em que a questão a ser julgada será exatamente uma cujo entendimento não derive prontamente da Constituição. Ou seja, os casos em que não está totalmente claro o que o legislador pretendia. Nesse momento, é altamente desejável que a corte tenha ministros de direita, de centro, de esquerda e de qualquer ponto no meio desses. Obviamente que eu, por exemplo, como conservador e defensor da vida, prefiro que todos os ministros sejam contrários à legalização do aborto. Acontece que isso é impossível, pois a sociedade mesma é plural em suas opiniões sobre o tema. Em última análise, o STF existe para garantir que a pluralidade expressa pelos votos que elegeram deputados e senadores seja respeitada em todas as esferas do poder público, tendo sempre em mente o compromisso democrático que essa postura exige.
Mas, voltando ao tema inicial, o valor mais afastado do ideal de uma suprema corte, esteja ela onde estiver, é a lealdade a um dos outros poderes ou a qualquer político específico. Quando um presidente da República indica um nome ao STF, a escolha recai naturalmente sobre alguém de orientação ideológica semelhante à do presidente. Não se deveria esperar nada diferente disso, dado que a própria alternância de poder prevista em nossas leis transforma essa situação em oportunidade para equilibrar a composição da corte. Daí a exaltar a lealdade do indicado ao indicador, a coisa não só passa do aceitável como adentra o território dos conflitos gravíssimos de interesse, ferindo o princípio da impessoalidade, tão importante na administração do Estado.
Os 30 anos de Jair Bolsonaro na política são fartos em exemplos de como ele é capaz de colocar os interesses de sua família acima dos interesses do país. Seu primeiro ano como presidente da República corrobora essa tendência. O slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi uma sacada genial do então candidato Bolsonaro para ganhar o apoio de grande parte da classe média brasileira. A realidade, infelizmente, é muito diferente. Em cada vez que Jair Bolsonaro precisou optar entre uma decisão que fosse boa para o país e uma que agradasse seus filhos, escolheu pela última. Até quando será possível fazer isso e não ter de sofrer as consequências eleitorais, não sabemos. Espera-se que não seja por muito mais tempo.