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Após o desastroso plano de Joe Biden para a saída das forças norte-americanas do Afeganistão (se é que se pode dizer que houve um plano), o Talibã tomou o poder no país e anunciou, neste mês de setembro, a composição do governo. O novo regime será chamado de Emirado Islâmico do Afeganistão. À frente do governo estará um líder religioso e sua legitimidade virá de um conselho de clérigos. Não há previsão de eleições.
Enquanto as tropas americanas ocupavam o país, havia um presidente eleito em pleito constitucional e em acordo com normas democráticas internacionais. A Constituição em vigência, aliás, foi criada durante o período de apoio dos Estados Unidos. Mas, assim que o Talibã recuperou o controle do país, todos os traços de democracia foram imediatamente apagados. Os afegãos que viveram os anos 1990 sob um regime brutal e sanguinário veem um futuro semelhantemente sombrio. Os que ainda não eram nascidos já começam a entender o contexto das histórias contadas por seus pais e avós, de uma época terrível para o país e seu povo.
Logo nos primeiros dias à frente do governo, o Talibã ordenou a prisão, tortura e, em alguns casos, a morte de cidadãos ligados ao governo anterior ou à presença norte-americana no país. Jornalistas também foram incluídos nas listas de inimigos do novo regime, e muitos deles foram detidos e espancados. O Talibã também restabeleceu o Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício, responsável por coibir todo e qualquer comportamento contrário ao islamismo. Em relação às mulheres, que faziam parte do governo anterior e que haviam conseguido uma melhoria considerável de qualidade de vida e direitos, o novo regime não surpreendeu. Nenhuma mulher foi nomeada para o governo e, nas universidades, alunas do sexo feminino somente poderão ver aulas se colocadas em classes específicas para seu gênero sexual e se usarem a vestimenta permitida pelo islamismo. Até mesmo no ensino básico o desprezo pela humanidade das mulheres ficou claro, com a decisão de que apenas os garotos poderão retornar às aulas presenciais.
Assim que o Talibã recuperou o controle do Afeganistão, todos os traços de democracia foram imediatamente apagados
O governo anunciado no início do mês contém nomes muito bem conhecidos das agências de segurança dos Estados Unidos. O Ministro do Interior, por exemplo, é ninguém menos que Sirajuddin Haqqani, que há anos faz parte da lista de mais procurados do FBI e por cuja captura há uma recompensa de US$ 5 milhões. A rede de Haqqani é uma das mais letais do Talibã, responsável por inúmeros ataques e sequestros ocorridos nas últimas duas décadas. O governo norte-americano acredita que Haqqani ainda mantenha um cidadão americano como refém. Seu nome é Mark Frerichs, um civil que desapareceu em janeiro de 2020 e do qual não se teve mais notícias desde então.
Facebook e YouTube baniram qualquer conteúdo do Talibã de suas plataformas. Já o Twitter continua permitindo que o porta-voz do Talibã e outros membros do gabinete de governo mantenham suas contas ativas, desde que respeitem os termos de serviço e não usem tuítes para pregar a violência. Enquanto isso, o ex-presidente Donald Trump continua banido da plataforma por ter “incitado violência” no fatídico 6 de janeiro, e diversos deputados republicanos têm experimentado suspensões e banimentos do algoritmo de busca da rede social. Aparentemente, para os padrões do Twitter, não há problema nenhum em se governar um país sob uma ditadura sanguinária ou sob um jugo religioso bruto e assassino, desde que as palavras tuitadas não incitem violência. Cabe lembrar que figuras como Nicolás Maduro e Kim Jong-Un possuem contas ativas na plataforma, de onde despejam conteúdo totalmente mentiroso, sem um aviso sequer do Twitter do tipo “esse conteúdo contém inverdades ou afirmações contestadas”.
Antes que eu seja mal-interpretado, sou totalmente contrário a qualquer tipo de banimento em virtude do conteúdo do discurso da pessoa. Acredito na liberdade absoluta de expressão e, em caso de calúnia ou discurso difamatório, há o aparato judicial para corrigir excessos. O que as grandes redes sociais estão fazendo é escolher quem querem e quem não querem que tenha voz, de acordo com o que elas queiram. Alguns dirão que as plataformas são de empresas particulares e que, portanto, não se pode esperar que ajam com neutralidade. Acontece que elas se beneficiam, como já escrevi em outra oportunidade, de uma seção do regramento de telecomunicações dos Estados Unidos que lhes dá imunidade total no tocante ao conteúdo que publicam. É como uma empresa de telefonia, que não pode de maneira alguma ser processada porque dois criminosos usaram seus serviços para tramar um ataque.
Pois bem, as plataformas de redes sociais precisam começar a agir como telefônicas, no sentido de não interferir na transmissão de conteúdo. Se querem interferir, tudo bem, desde que haja contrapartida: quem edita, bloqueia, veta e censura tem de ser responsável pelo conteúdo final publicado. É assim que acontece com jornais e revistas, que contam com editores para escolher o que pode e o que não pode ir a público. O que não dá é uma mesma entidade desfrutar da imunidade ao mesmo tempo em que edita conteúdo de acordo com suas próprias diretrizes ideológicas.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos