Nessa sexta-feira (11), às 18h, vai ao ar o documentário "A Terra e o Prato" (Behind the Plate), que através de entrevistas com grandes nomes da gastronomia atual no mundo todo, revela como essas figuras proeminentes estão liderando uma mudança na indústria de alimentos a partir de seus territórios, suas diferentes culturas, sua criatividade e o modo como moldam seu relacionamento com a natureza e a sustentabilidade.
O vídeo será exibido gratuitamente somente nessa sexta-feira, no evento MESA REGENERAÇÃO da revista Mesa, e você pode se inscrever através do link: https://www.mesaregeneracao.com.br/inscricao, ou assistir diretamente pelo Youtube MESA Hub.
O documentário reúne visitas ao Brasil, Peru, Espanha, França e Dinamarca, abordando os diferentes aspectos envolvidos na culinária. Segundo o site oficial, a ideia do projeto veio de uma frase de Allain Ducasse - um dos maiores nomes da gastronomia no mundo:
"É a relação entre o ser humano e a terra que forma um cozinheiro hoje. Ele precisa ter uma visão humanista para o que faz. Ele precisa se conectar com a terra para poder se conectar com seu cliente. Ele tem que contar uma história, demonstrar a conexão entre a terra e o prato"
Segundo a chef Manu Buffara, João quis mostrar que o trabalho na cozinha envolve também o cheiro, o respeito pelo alimento, pela comunidade, pela história:"Você acaba entendendo que comida é história, cheiro, memoria, recordação, lembrança. Tudo começa lá atrás, na terra, nas suas sensações, nas memórias que a gente tem. Nossa geração não tem mais o costume de cozinhar, perdeu a conexão com o alimento, mas a gente precisa continuar criando memórias através da comida, e acho que é isso que o João quis mostrar também."
Conheci o João Ferraz, um dos diretores e idealizador do documentário há alguns anos, através da Manu, e pude conhecer de perto e acompanhar sua paixão pelo mundo da gastronomia desde então. Ele gentilmente nos concedeu uma entrevista sobre o documentário e suas considerações sobre o momento que vivemos hoje.
Você é historiador, trabalha com design brasileiro, mas tem uma paixão admirável pelo universo da comida. Quando e como essa paixão começou?
R. A família do meu pai é do sul de Minas Gerais, da Serra da Mantiqueira, e todo mundo é muito ligado em cozinhar e comer, então os encontros na casa da minha avó sempre giraram em torno da cozinha. Do outro lado, os meus avós maternos saiam muito para jantar nos restaurantes de São Paulo, e vira e mexe eu ia com eles. Acabou que comer sempre foi um interesse. Mais adulto comecei a cozinhar mais e, a partir de 2013, comecei a viver mais tempo procurando restaurantes e experiências em torno da comida.
Como você descreveria a famosa “casa do Carbonara”?
R. É a minha casa. E acabou que se tornou um ponto de encontro de amigos - alguns deles do mundo da cozinha - em torno da comida e da bebida. Com o Instagram as coisas ganharam uma proporção curiosa. Ao mesmo tempo, fui me envolvendo cada vez mais no meio, conhecendo cada vez mais pessoas e, por fim, até fiz alguns pequenos eventos lá. Sempre mantendo a ideia de não transformar isso em trabalho. Mais para frente criei um site da Casa do Carbonara, onde hospedo artigos, fotos e vídeos que fiz sobre historia da cultura e gastronomia.
De onde veio a ideia do documentário?
R. Como historiador, estudo historia da cultura, e quanto mais eu me aproximava do mundo da cozinha, mais pontos de intersecção eu encontrava entre as discussões de temas de cultura contemporânea e as discussões do mundo da comida. A partir daí a ideia foi transformar os chefs em interpretes dessa discussão e colocar o ponto de vista deles sobre esses assuntos.
Como foi feita a escolha dos chefs para o documentário?
R. Foi uma seleção dentro daqueles temas que estavam planejados, pensando nos países onde esses temas faziam sentido. A partir daí, me baseei nas entrevistas que tinha feito para o youtube para pensar nos nomes, depois teve - claro - a questão do acesso, da oportunidade e do tempo que tinha para gravar. Muita gente legal acabou ficando de fora pois tínhamos um tempo limitado em cada lugar.
Pra você, qual seria o cenário ideal de consumo/produção na gastronomia?
R. Um cenário onde as realidades naturais e culturais locais sejam respeitadas, com dietas bem ajustadas à capacidade de adaptação que cada população desenvolveu ao longo de séculos. Olhar para trás para olhar para frente. Buscar soluções e recursos que estão na cultura popular para forjar uma maneira nova e sustentável de se alimentar. Uma maneira que possa suplantar o modelo da sociedade de consumo em que vivemos, onde todo mundo quer comer a mesma coisa, tornando a produção de alimentos em grande escala uma atividade degradante para o planeta.
Como estudar e vivenciar o mundo gastronômico, estando perto de grandes nomes, mudou o seu jeito de consumir comida?
R. Acho que abriu meus olhos para questões que eram mais abstratas na minha cabeça. A convivência com os chefs deu uma dimensão pratica a ideias que pairavam de maneira muito pouco definida. Introduziu também princípios interessantes - coisas como “nose-to-tail” por exemplo.
Qual o seu prato preferido?
R. Difícil hein? Talvez o doce de figo verde da minha avó. Ou o arroz a banda do Quique Dacosta. Ou a Carbonara…
Você acredita que esse movimento crescente de ver a comida com um olhar mais sistêmico veio pra ficar? Acha que o consumidor está mais consciente e que o mercado e vai se adaptar bem?
R. Acho que hoje surge uma tendência de consumo nessa direção. Mas a indústria se adapta rápido e cria discursos mais ou menos verdadeiros para ocupar esse espaço também. A questão central está na difusão da informação e da criação de cadeias logísticas alternativas, além de - é claro - legislações mais avançadas, que restrinjam o uso de químicos e que possibilite a produção de agricultura, pecuária e processamento de alimentos feita por produtores pequenos e médios, conscientes do seu papel em relação a natureza e a diversidade.
Qual o maior desafio na hora de pensar em uma alimentação mais “sustentável”?
R. Acho que entender que cada lugar tem sua própria realidade ecológica e cultural, suas nuances e sua população. O discurso tem de partir de princípios gerais mas criando soluções específicas para cada realidade. É difícil comparar a realidade do Sul de Minas com a da Amazônia por exemplo.
Quais foram seus maiores aprendizados e/ou insights na produção do documentário?
R. Foram vários, foi como um curso de pós graduação com um conjunto incrível de professores. Difícil falar algo específico. Gosto da ideia de que fala o chef do Elkano, Aitor Arregi, sobre a cultura dos pescadores, de que seria uma “Republica Marítima, sem fronteiras nem reis"
O que, no percurso entre “a terra e o prato” mais te toca? (Curioso, emocionado, empolgado…?)
A capacidade infinita de criação e adaptação do homem ao seu espaço, o fazer com - usando a expressão do Drummond - “engenho e arte”.
Confira o trailer:
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