Eu costumava dizer que não confiava em quem não gosta de doces. Muitas vezes, escolhia o restaurante em que ia comer pelo menu de sobremesa. Eis que a vida me colocou de frente com alguns problemas de saúde e eu tive que mudar muito meus hábitos alimentares e hoje, na maior parte do tempo, tenho mais vontade de comer um bom prato salgado a um doce. Não que eu dispense uma boa sobremesa, mas meu paladar mudou completamente e o açúcar em exagero já não me traz tanto prazer.
Existem muitos tipos de sal, mas o cloreto de sódio (NaCl) é o mais “salgado” e saboroso.
O sal em si desempenha uma função vital no nosso organismo, ajudando nossos músculos e nervos a funcionarem corretamente e regulando nosso balanço de fluidos.
Já dizia o sábio médico e físico Paracelso: o segredo entre o remédio e o veneno é a dose. Ingerir sal em excesso pode nos causar as mais diversas disfunções em termos de saúde, mas não comer o mínimo de sal que precisamos também pode nos levar à morte.
Nossa necessidade ou apreço por sal é proporcional ao quanto consumimos ao longo da vida: quanto mais usamos, mais gostamos. O que significa que, se por algum motivos precisamos diminuir o consumo de sal na nossa dieta, o esforço maior será o inicial, mas logo nosso corpo e paladar se adaptarão ao novo padrão, podendo, inclusive, fazer com que a gente não goste mais da mesma quantidade que gostava antes.
O curioso disso é que esse “padrão” não é definido pela quantidade de sal ingerido em si, mas pela quantidade de sal de fato saboreado, ou seja, que passou pelas suas papilas gustativas. Um estudo confirmou isso através de um experimento em que pessoas ingeriam a mesma quantidade de sal por dia, metade através de alimentos, metade através de pílulas. Aqueles que ingeriam pílulas e comidas menos salgadas passaram a gostar menos de sal ao longo do tempo.
Passado salgado
Curiosamente, nossa preferência por sal começa a ser moldada muito antes do que pensamos, quando ainda estamos no ventre de nossas mães. Em 1990 a Universidade de Washington publicou uma pesquisa que aponta que as grávidas que tiveram enjoos severos durante o primeiro trimestre de gestação tiveram filhos com maior apreço pelo sal. Uma das explicações possíveis é porque o vômito severo causa uma grande perda de líquidos, podendo levar à desidratação e fazendo com que a ingestão de sal em maior quantidade seja importante. Sendo assim, os fetos acabam expostos à um líquido amniótico mais “salgadinho”.
Sal e sabor
O papel do sal em uma receita é basicamente fazer com que nossas papilas gustativas se abram para perceber melhor o sabor. Sendo assim, toda e qualquer comida fica mais saborosa quando acrescentamos sal, inclusive os doces. Existem muitas variedades de sal: sal rosa, flor de sal, sal negro etc. – cada um com determinada composição e finalidade. Mas existem também outras maneiras de salgar os alimentos, usando, por exemplo, ingredientes com alta concentração de sódio, como o missô, ou se valendo de técnicas culinárias para isso, como a desidratação ou fermentação.
Existem, ainda, algumas investigações que afirmam que o alto consumo de sal não é prejudicial à saúde, mas isso é assunto pra outra hora. Por enquanto, vamos aproveitar o frio para tomar uma sopinha de missô e pinhão?
*Esse artigo é o quarto de uma série sobre neurogastronomia e a percepção de sabor, certifique-se de ler os demais também.
Veja os outros artigos da série:
- Neurogastronomia: preferências alimentares não dependem só do paladar
- Neurogastronomia e o gosto doce
- Se a vida te der limões…
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