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Quem é Quenton Cassidy? A pergunta que o leitor faz durante boa parte da leitura de Era uma vez um corredor (editora Intrínseca, 2011) é a mesma que a própria personagem parece fazer durante sua trajetória.

A princípio, seria uma resposta simples: Cassidy é a peça central do romance do jornalista John L. Parker, publicado, originalmente, em 1978 nos Estados Unidos: um jovem bolsista da Universidade de Southeastern, onde é capitão da equipe de corredores do time de atletismo.

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Mais do que isso, no entanto, Cassidy é um corredor da prova de uma milha (1,6 km). Um especialista nas quatro voltas de 400 metros que tenta correr abaixo do aparentemente impossíveis quatro minutos.

Mas nem mesmo o próprio Quenton tem essa certeza sobre quem é. Sabe que corre. E sabe que o faz bem. Só não se convence de que é um corredor. Vive as crises existenciais do porque faz o que faz: submete-se ao que chama dos “Sacrifícios dos Quilômetros”.

A obra seduz não só quem ama a corrida – mas especialmente a estes – justamente porque transcende a rotina de um atleta para tratar das dúvidas de um ser humano. Mas, justamente por retratar o cotidiano de uma equipe de atletismo, suas competições e treinamentos, o livro de Parker conquistou, na década de 1970, uma geração e virou mania.

As frases do livro (“O lobo mais magro comanda a matilha”, “nunca tente descrever o indescritível”, “não se pode renunciar ao que não se possui”) estamparam camisetas (e até mesmo as frase das camisetas da personagem viraram camisetas) e muitos compartilharam os sentimentos pelos quais o protagonista passa.

A presença do amigo Bruce Denton, medalhista olímpico que auxilia no treinamento de Cassidy, realça a realidade do corredor: mesmo quando tem companhia, sabe que é está em um esporte completamente solitário.

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Era uma vez um corredor transcreve, com propriedade e sem ilusão, o sofrimento com uma ponta de prazer que a modalidade proporciona ao atleta, é solidário a todos que gastam a sola do tênis quilômetros a fio.

“Muito cedo Cassidy compreendeu que um verdadeiro corredor corre mesmo quando não tem vontade e disputa provas quando tem de disputar, sem inventar desculpas e sem reservas” (página 116).

Parker entremeia a descrição dos treinos de Cassidy com a rotina dos alojamentos dos atletas da universidade, as dificuldades criadas pelo autoritarismo de gestores esportivos incapacitados para os cargos que possuem.

Encanta, particularmente, a descrição da prova que o protagonista disputa com o olímpico John Walton (inspirado na lenda das pistas John Walker, o primeiro homem a correr os 1,6 km abaixo de 3min50s. Nada a ver com o fabricante de uísque): o ritmo de leitura praticamente acompanha o da respiração de Quenton durante a milha.

Ao final da leitura, muitos farão a mesma pergunta que fiz: “Quem é Quenton Cassidy? É real?”. Poupo a pesquisa: não, por mais que pareça pertencer ao nosso mundo, Quenton vive apenas no papel. E na identificação dos corredores com o que ele faz e porque o faz.

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* A edição brasileira de Era uma vez um corredor foi lançada no início de março. Foi minha leitura do início de abril, na minha viagem de aniversário ao Rio de Janeiro. Entre o aeroporto do Galeão, o passeio no Pão de Açúcar, o descanso (?) na Lapa e à caminhada nas orlas de Ipanema e Copacabana, tive a companhia de Quenton Cassidy, de Bruce Denton e da vontade de voltar a correr.