Em seu 30º aniversário, o evento reúne artistas de 30 países, com 160 amostras distribuídas em 90 espaços, em 36 cidades da Argentina e uma entrevista exclusiva com a diretora geral falando sobre a participação de brasileiros.
Por Fabiano Ferreira
Os Encuentros Abiertos – Festival de La Luz é um dos maiores eventos de fotografia da América Latina e celebra mais um ano com a participação de 350 artistas estrangeiros, entre convidados e selecionados pela convocatória, com destaque para a importante atuação do Brasil. O evento teve início oficialmente no dia 01 de agosto e se encerra no próximo dia 28 de setembro, com exposições, projeções, leituras de portfólios, workshops e palestras realizadas em diversas salas de artes, galerias e espaços culturais na Argentina.
A cada edição do festival é sugerido um tema e neste ano foi escolhido “Celebração pela Vida”, um resgate da união entre os seres humanos para que se identifiquem através de questões sociais ou pessoais. Para as diretoras do Festival de La Luz, Elda Harrington e Silvia Mangialargi, o propósito deste tema foi buscar estórias que façam a vida encontrar caminhos que valham a pena ser percorridos e outras que nos recordem de acontecimentos que não devemos permitir que se repitam.
Entre as exposições, destacam-se a mostra Fotografias de la VKhUTEMAS do fotógrafo russo Aleksandr Ródchenko, no CCK, Suturas de Adriana Groisman, sobre a guerra das Malvinas, Retratos de 108, do coreano Jinhyun Cha, e Comfort Women, do holandês Jan Banning, ambas sobre as escravas sexuais do exército japonês na segunda guerra mundial, no Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti.
Brasileiros participam com mostras em diversos espaços, entre elas, Gabriela di Bella e Guilherme Christ (Marrocos), Cassio Vasconcellos (Coletivos), Lucas Lenci (Cidades Alpha), Helena Ríos (Tudo Flui), Roberto Urtado (Uma vida ordinária), Ilana Bar (Transparências de Lar), Lu Berlese (Relicário) e Clovis Dariano (Paisagem) e as projeções dos trabalhos de Edu Simões (59), Francisco Santos (Cotidiano), Ana Rovati (Sala de Não-Estar), Mateus Sá (Lugar das Incertezas) e Elaine Pessoa (Paysages).
O Foro Internacional de Portfólios é um dos pontos altos do evento e durante uma semana, curadores, diretores de museu, galeristas e críticos especializados do mundo inteiro compartilham dos encontros individuais para avaliação de trabalhos fotográficos. Nesta edição, as leituras contaram com os curadores brasileiros Joaquim Paiva e Eder Chiodetto. Paiva, que também é colecionador e detém o maior acervo de fotografia no Brasil, levantou uma questão importante ao sugerir que quando esses eventos forem realizados no Brasil, deveriam propor a participação de artistas estrangeiros. “Eu acho que essa é uma oportunidade de participarmos mais ativamente sobre um diálogo internacional de fotografia. Precisamos nos tornar mais internacionais, para que a gente abra mais espaço e tenhamos maior presença da fotografia brasileira no exterior”, completa.
A fotógrafa curitibana Lu Berlese participou da revisão na edição anterior (2016) e ganhou, junto com a franco-argentina Eva Fischer e o chileno Andrés Figueroa, o Prêmio outorgado aos três melhores portfólios apresentados, o que rendeu uma exposição no Centro Cultural San Martín, aberta desde o dia 03 de agosto. Já o fotógrafo argentino Abraham Votroba, vencedor do Foro de Portfolio Interfestival 2017, além de expor em Buenos Aires, também foi convidado pelo Museu da Fotografia Cidade de Curitiba para expor seu trabalho Viaje Interior, no dia 07 de novembro, como forma de intercâmbio cultural.
Na sexta-feira, 17 de agosto, saiu o resultado do Foro deste ano, que premiou mais dois artistas brasileiros, Ilana Bar (São Paulo) e Paulo Coqueiro (Bahia), além do uruguaio Federico Ruiz Santesteban, que desse modo já têm exposição agendada para a próxima edição do festival, em 2020.
Confira agora a entrevista exclusiva com a diretora geral do evento, Elda Harrington, concedida no Museu de la Cárcova, durante a abertura de uma das mostras do evento.
Repórter: Hoje o Encuentros Abiertos está consolidado como o festival de fotografia mais importante da América Latina. Você poderia nos contar como o evento chegou a essa envergadura no decorrer do tempo?
ELDA: O Festival começou há 30 anos e durante 10 anos, aconteceu apenas em Buenos Aires. Ampliando o número de lugares a cada ano, até que em 1989, para celebrar os 150 anos do advento mundial da fotografia, o evento transformou-se em bienal. Em 1998, nos associamos a 21 outros festivais de 16 países, quando criamos o FOL – Festival of Light. No início, não havia mostras de fotografia na cidade. O único que havia era para especialistas em galeria de fotografia, encontros apenas para fotógrafos, os museus ainda não nos tinham aberto as portas. Não conhecíamos artistas estrangeiros, apenas os famosos que já haviam publicado algum livro, que há 30 anos, era muito pouco. Quando começamos, decidimos que nosso objetivo era difundir não apenas fotografia argentina, mas a fotografia latino- americana, a internacional, de maneira a intercambiar olhares com outras latitudes, para que nos conheçam.
Repórter: Qual a proposta do festival para que esse intercâmbio realmente aconteça?
ELDA: Para que isso aconteça, temos o Foro de Portfolios, que é uma atividade muito importante que promovemos ao longo desses anos, para que as grandes figuras do mundo, como diretores de museu, diretores de festivais, grandes colecionadores de fotografia, editores de fotografia, venham e conheçam nossos artistas. Quando digo nossos, não me refiro apenas aos argentinos, porque os brasileiros participam mais que os argentinos e ultimamente os chilenos também. Pois temos conseguido romper a cordilheira e atravessá-la, coisa que nos custou muitíssimo. Com o Brasil foi diferente porque começamos na mesma época. Nunca deixei de ir à Curitiba nos anos 90, na época das bienais internacionais de fotografia. Depois apoiei muitíssimo o Milton Guran para que fizesse o Festival do Rio (hoje, FotoRio Resiste), o Carlos Carvalho para que fizesse o Festival de Porto Alegre (FestPoA), dentre muitos outros fotógrafos brasileiros. Tenho amizade com vários deles e na medida do possível vamos nos encontrando e vamos convidando-os para participar do evento aqui em Buenos Aires. Tem uma mostra brasileira no Palácio Pereda, na Embaixada do Brasil em Buenos Aires, com vários artistas que vão ficando conhecidos aqui. É a terceira vez que a embaixada expõe nestes 30 anos as maravilhas que vocês fazem. Ali está Helena Ríos, Lucas Lenci, com “Cidades Alpha”, está Roberto Urtado, Ilana Bar com seu trabalho intimista sobre a família, que sugiro visitá-lo até o final de agosto e está muito linda. Também tem uma projeção de Elaine Pessoa, com a curadoria de Eder Chiodetto, um trabalho muito interessante. Para continuar falando dos brasileiros também temos uma projeção de nossa curadoria, com os trabalhos que foram chegando pela convocatória e se apresentam em várias províncias argentinas. Portanto temos brasileiros da Quiaca ao Ushuaia – de norte ao sul – como costumamos falar aqui, são 5.800 quilômetros de projeção, (risos). Em Buenos Aires a projeção estará no Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, no Museu de Arte Decorativo, no Centro Cultural San Martín, na Casa Rodolfo Walsh e Aliança Francesa.
Repórter: Voltando a falar do Foro de Portfolios, o que é exatamente essa atividade? Acontece desde o surgimento do evento? É aberta a qualquer fotógrafo que queira participar?
ELDA: O Foro de Portfolios acontece há anos, desde 1995. É um estilo de conhecimento que se oferece aos fotógrafos e que as outras disciplinas não têm. Por exemplo, a Pintura, não tem e meus amigos pintores sempre comentam que bom seria se tivesse, porque é uma oportunidade para divulgar seus trabalhos. O festival convida curadores, diretores de museus, diretores de festivais, colecionadores, editores para que conheçam os nossos artistas. Então os participantes olham os currículos de cada revisor, que tipo de fotografia lhes interessa e se inscrevem previamente pela internet no foro de portfolios. São entrevistas privadas de 20 minutos, onde o fotógrafo pode mostrar seu trabalho. Despir-se, de certa maneira, porque o revisor diante da obra sabe com quem está falando, quem é a pessoa diante dele. Depois disso, pode haver um feedback, ou não, depende do que necessita cada fotógrafo. Também é uma oportunidade do revisor poder expor, publicar ou comprar a obra. Este tipo de intercâmbio é um invento do FotoFest Houston (bienal nos EUA), que propõe este formato há muitos anos, com o sistema de pré-inscrição. Para os fotógrafos que são muito tímidos, é uma maneira muito boa de apresentar o trabalho. Antes, o único jeito que existia era perseguir os revisores como fazíamos em Arles (França), há anos atrás e apenas os mais atrevidos conseguiam alguma coisa. Já os demais não chegavam a lugar nenhum por conta da timidez, apesar de ter uma obra maravilhosa. Em 95 estive em Houston e trouxemos esta fórmula para a Argentina. Foi um sucesso impressionante, porque sempre que viajo a um festival, ou a um evento e me encontro com fotógrafos, principalmente os latino-americanos, pergunto como eles chegaram ali e eles respondem: – “Como assim? Fui descoberto no Foro de Portfolios em Buenos Aires e me convidaram para expor aqui”. Aconteceu com dois fotógrafos brasileiros que encontrei na China. Então, é uma forma de difusão que logo se transformará numa rede e você perde o rastro, porque um vai recomendando ao outro. No fim, muitos artistas ficaram conhecidos através da revisão de portfolios de Buenos Aires ou de Houston, de Porto Alegre, do Rio que também está acontecendo por esses dias – e outras que existem na Europa. Para os artistas latino-americanos principalmente, foi muito importante ter a oportunidade de fazer-se conhecer, pois estamos longe dos centros de poder, então é uma forma de intercambiar nossos olhares.
Repórter: E em que consiste o Prêmio Foro de Portfolios?
ELDA: No final do foro de portfolios, que dura uma semana, os revisores sempre votam nos três melhores trabalhos e, na edição seguinte, fazemos uma mostra com os premiados. Nesta edição estamos recebendo no Centro Cultural San Martín o resultado da premiação de 2016. Os fotógrafos selecionados foram a brasileira Luciana Berlese, a argentina Eva Fischer e o chileno Andrés Figueroa. Ficamos muito felizes pela coincidência, porque quando os revisores votam, não têm nem ideia de que país vem o escolhido. Então, esta coincidência de terem sido escolhidos três latino-americanos vizinhos nos deixou muito contentes. A mostra está linda e estará aberta até o final de agosto. Recomendo aos interessados que olhem o site do evento (encuentrosabiertos.com.ar) para conferir a programação, porque são tantas exposições que é impossível falar de todas. Estamos apresentando 160 mostras de 30 países, em 90 espaços diferentes, em 36 localidades do país.
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