Ricardo Perini| Foto:

por Eder Chiodetto e Fabiana Bruno

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Golpe de luz. Num átimo o fotógrafo flagra uma mulher abismando-se na escuridão. O triângulo formado por sua saia amarela sustenta-se no ar apoiado pela ponta do pé que, em célere movimento, desenha no espaço um outro triângulo, gerado pela opacidade da sombra. Uma mochila parece em queda livre, pois a visibilidade da alça é obliterada pela contraluz ao envolver o ombro que a sustém.

Se a identidade da mulher é ocultada pelo atravessamento de luzes e sombras que recortam o espaço interior da arquitetura, o mesmo ocorre com o busto do emérito homenageado que adorna o vestíbulo. À direita, as texturas da parede surgem realçadas pela luminosidade que lhes encorpa os volumes. As formas geométricas que sobre elas se projetam parecem evocar as Fotoformas de Geraldo de Barros. À esquerda do triângulo amarelo, dois homens conversam e convergem na perspectiva que se apresenta como a entrada de uma misteriosa e lúgubre caverna.

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O triângulo amarelo, o pé que desenha a sombra, a mochila em queda, o busto do emérito oculto, a Fotoforma acidental e os homens a dialogar no limiar da escuridão são atores encenando ocorrências cotidianas. Por meio do jogo fotográfico, suplantam a banalidade do instante inapreensível aos nossos olhos para tornarem-se símbolos potentes do vertiginoso fluxo do tempo regido pela luz – espécie de cicatriz na pele do tempo histórico que surge inapelavelmente justaposto, atravessado, redimensionado.

Entre esses intrincados jogos de revelações e ocultamentos, surge a Virtude Cênica gerada pelo olho-gatilho de Ricardo Perini. Com particular precisão, o fotógrafo parece abater, em pleno voo, o entretempo das narrativas cotidianas. Advém dessa estratégia a clara sensação de que suas composições sempre se configuram numa espécie de suspensão – suspensão do tempo, da ação, da paisagem e do estado de ânimo, por vezes catatônico, em que os personagens são flagrados na sua deriva pela urbe.

A luz quente, em ângulo cadente, como a iluminação teatral que vem das coxias, é o grande personagem de Perini. Dramática por excelência, remete ao vernáculo cinematográfico. Sem o foco nas áreas mais obscuras, essa estratégia de iluminação também rende dividendos à estética publicitária. No entanto, a estratégia de Perini soa bem mais iconoclasta. Após nos confortar com o emprego de uma luz culturalmente assimilada entre o drama do entretenimento da indústria cinematográfica blockbuster e a sedução pasteurizada da publicidade, o fotógrafo vale-se de composições bastante complexas em sua estrutura para realizar uma bem engendrada crônica sobre a divina comédia humana.

O estado de introspecção ao qual somos impelidos na experiência de circular pelo excesso de estímulos que a paisagem de grandes cidades como Nova Iorque, São Paulo e Curitiba, por exemplo, nos submetem, parece achatar sobremaneira a noção de realidade, o campo possível das trocas sociais e o imperativo da fantasia e do desejo.

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Como atores que esqueceram a fala diante do público, vagamos com nossas personas investidas da virtude de manter o jogo de aparências necessárias para o pacto social, sem interagirmos com o entorno, com a história da cidade ou mesmo com quem está ao lado. São icônicas, nesse sentido, as fotografias de Perini ao registrarem agrupamentos de pessoas que olham para múltiplas direções.

O fotógrafo Philip-Lorca diCorcia, que em sua série Streetwork (1993-1997), utilizou uma fonte de luz artificial para iluminar e sublinhar, em meio à multidão, a expressão de pessoas circulando em diversas megalópoles pelo mundo, escreve:

 

            Só tenho certeza de que o que vemos neste mundo é enganoso, especialmente na         mídia… A conclusão mais consistente que tirei é que ninguém realmente sabe o que está   acontecendo – é a apatia e a autopreservação, que definem os aspectos sociopolíticos             das cidades e de suas sociedades. A subjetividade se torna uma armadilha        reconfortante. Ela se concentra obsessivamente no eu como padrão para uma realidade           exterior. A rua não induz as pessoas a perderem sua autoconsciência. Elas parecem se            retirar em si mesmas. Elas se tornam menos conscientes de seus arredores,         aparentemente perdidos dentro de si. Sua imagem é a face voltada para o exterior,         desmentida pelos olhos que olham para dentro.[1]

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A Virtude Cênica construída por Ricardo Perini nos entretempos perpassantes da arquitetura-cenário das cidades e desestabilizada pelos contrastes dramáticos de luz e sombra que as reconfiguram a cada instante, olha para os olhos que olham para dentro de si mesmos. Enigmático jogo especular de aparências revelado nos interstícios da construção fotográfica. Um jeito de ser, estar e se autopreservar nas nossas babilônicas cidades contemporâneas.

 

[1] diCorcia, Philip-Lorca. Reflections on Streetwork 1993-1997, EUA: American Suburb X, 1997. Disponível em: www.americansuburbx.com (último acesso em 23 de abril de 2018).

 

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serviço: 30/10/2018 as 19hs Lançamento do livro Virtude Cênica

local: Galeria Ponto de Fuga,R. Saldanha Marinho, 1220 – Centro, Curitiba – PR,

https://www.facebook.com/galeriapontodefuga/

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