Os gregos tinham três deusas da felicidade. Eram Aglaia (ou Abigail), Euprhosyna e Thalia. Cada qual personificava um aspecto da felicidade: Aglaia era o esplendor; Euprhosyna, a alegria; e Thalia, o desabrochar. Hoje em dia, acho que só restou apenas uma delas, a alegria, tornada sinônimo de felicidade.
Em português, chamaríamos esta deusa de Letícia, derivando do latim Laetitia, que significa, justamente, alegria. Mas não só. Quando conhecemos melhor a história da etimologia da palavra, descobrimos um significado mais rico.
Laetitia é um termo nascido da vida rural, com sua forma arcaica, laetare, significando fertilizar, adubar a terra. Quando esta era fértil, chamavam-na de laeta. Aos poucos, o termo passou a significar também o contentamento do agricultor com a fertilidade de sua terra, um estado de satisfação na alma que desabrochava numa exclamação de alegria, um laetus clamor. Olha a Thalia aparecendo aí...
Perdoe se o desalegro, leitor, com esse papo etimológico. Como ando nessas de meditar o tempo do Advento através do significado das velas acesas a cada domingo, passei a semana pensando na Alegria, a vela do próximo domingo, o terceiro e penúltimo. Entendê-la como um desabrochar da Paz que brotou da terra fértil da Esperança já me parecia uma decorrência lógica, que a etimologia confirmou, mas nela fui em busca daquilo que encaminha para mais, para a última das velas, a do Amor.
O júbilo não cabe nas alegrias menores, mero deleite, em geral advindo de pequenos prazeres do cotidiano, mas apenas nas maiores, mais raras
Existe outro substantivo relativo a laetitia que é ledice, significando contentamento. Se alguém está contente, costumamos entender que está alegre por estar satisfeito. Quando a satisfação é calma e moderada, Cícero a chamava de gaudium, gáudio em português. Se a satisfação é intensa e extasiante, ganha outro nome, de iubilum, o nosso júbilo ou “grande alegria”.
O português jubilar, aliás, significa “encher de júbilo” e utiliza-se também para designar a aposentação honrosa dada a um professor. Daí também o jubileu, ano jubileu, ano em que o papa concede indulgências. A cada 25 anos, tendo por referência o nascimento de Jesus, a Igreja celebra um Jubileu, um Ano Santo, como será o de 2025. O termo estendeu-se depois a outros aniversários solenes, como o jubileu de formados em faculdades depois de 25 anos.
O júbilo, portanto, não cabe nas alegrias menores, mero deleite, em geral advindo de pequenos prazeres do cotidiano, mas apenas nas maiores, mais raras, fruto de conquistas difíceis ou que exigiram longo tempo de cultivo e dedicação. Não são a mesma coisa a alegria do carnaval e a alegria da Páscoa; só nesta o desabrochar da alegria se torna esplendor, ou seja, felicidade.
Quer experimentar um pouco dessa alegria esplendorosa? O leitor conhece o Hino à Alegria (ou Ode à Alegria), de Beethoven. Se não o escutou mentalmente à mera menção do nome, certamente será capaz de cantarolar junto se escutá-lo neste instante. Daquelas peças de música clássica tão famosas que não damos a devida atenção e, com isso, perdemos toda a sua dimensão jubilosa.
Este hino é, na verdade, o quarto e último movimento da 9.ª Sinfonia do compositor, que a compôs quando já passara dos 50 anos de idade e estava completamente surdo. A sinfonia demora em torno de uma hora ao todo e pode-se dizer que os 45 minutos anteriores são uma preparação para este hino, que desabrocha a alegria aos poucos até atingir o esplendor jubiloso.
O tema da sinfonia só se revela de fato neste quarto movimento, que em certo sentido repete o que veio antes até o ponto de se desfazer num aparente caos sonoro, quando então algo novo surge. Pela primeira vez na história, vozes são adicionadas em uma sinfonia, surgindo em uma breve pausa instrumental. Entram os cantores cantando o poema de Schiller, justamente chamado Ode à Alegria, que termina assim:
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões, vocês estão ajoelhados diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do Céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora!
Agora imagine se Ele é quem viesse nos procurar. Eis a alegria do Advento.
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