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Francisco Escorsim

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Cinema

A barraca de Fred Rogers

Tom Hanks (à esquerda) e Matthew Rhys (à direita) nos papéis de Fred Rogers e Lloyd Vogel em "Um lindo dia na vizinhança". (Foto: Divulgação)

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Tem uma cena em Um Lindo Dia na Vizinhança em que Fred Rogers, no seu programa de tevê, tenta montar uma barraca sozinho, mas sem sucesso. A equipe de filmagem ri, mas, antes de refilmar a cena, Rogers pede para ver a gravação e gosta, dizendo para ir ao ar daquela forma. O jornalista que a tudo assistia para entrevistá-lo perguntou por que não deixou a equipe montar a barraca e refilmar, ao que Rogers respondeu: “Para as crianças saberem que até os planos dos adultos às vezes não saem como esperamos”.

Imagino que você nunca tenha ouvido falar em Fred Rogers. No Brasil, quase ninguém o conhece. Ao contrário dos EUA, onde seu programa infantil fez muito sucesso durante décadas. Sim, você leu direito: um programa infantil com um homem apresentando.

Se quiser conhecê-lo, além do filme citado, hoje disponível na Amazon Prime, em que Rogers é interpretado por Tom Hanks com o brilhantismo costumeiro, há um documentário intitulado Won’t You Be My Neighbour? (“Quer ser meu vizinho?”), atualmente disponível na AppleTV+. Ainda pode ler o que esta Gazeta do Povo já publicou sobre o homem, por escrito e em podcast.

Nossos planos necessariamente dependem de outros ou os afetam, tenham sido avisados ou não, incluídos ou não

Mas volto aos planos dos adultos e às vezes em que não saem como esperamos. Naquela cena da barraca, Rogers a finalizou dizendo que seria preciso dois adultos para montá-la. Fiquei a pensar nisso, no quanto nossos planos necessariamente dependem de outros ou os afetam, tenham sido avisados ou não, incluídos ou não.

Lembremos do Jardim do Éden. Para o plano da serpente dar certo, Eva teria de lhe dar ouvidos, como deu. Aparentemente não temos nenhuma participação e responsabilidade pelo que fizeram e, no entanto, sofremos as consequências também. Será possível conquistar o Céu sem ajuda?

OK, OK, não precisamos ir tão longe. O exemplo do filme já serve, com a história do jornalista, cuja vida foi moldada pela covardia do pai diante da doença da esposa, abandonando os filhos. O plano do pai certamente não era aquele, como ele mesmo disse a certa altura, mas às vezes nada sai como esperamos, tenhamos culpa ou não. E o filho, por mais que odeie o pai e não suportasse sequer vê-lo, vivia, mesmo adulto e com sua família formada, ainda preso à “barraca não montada” do pai.

O que me devolve a Fred Rogers. Qual era seu plano? Que “barraca” desejava montar? Não era apenas pela educação das crianças, como dizia e ficava explícito no seu programa de tevê. Antes de trabalhar com isso, Rogers estudava para se tornar um pastor presbiteriano. Ao conhecer a televisão, mudou de ideia, querendo fazer parte daquele mundo. Mudou de ideia, mas não de plano. Ele viu na tevê um meio espetacular para “a difusão da Graça por toda a terra”, como disse ao jornalista Tom Junod, cuja história de seu famoso artigo para a Esquire, em 1997, é contada no filme. Tom se tornou Lloyd na obra, o jornalista cuja barraca o pai nunca montou.

No filme, ninguém quer ser entrevistado por ele, pois Lloyd costumava demolir os entrevistados em suas matérias. Mas Rogers aceitou. Lloyd quis saber a razão. Depois de alguns dias acompanhando o apresentador, acreditou ter descoberto a resposta: “Você ama pessoas ‘quebradas’ como eu”. Mas Rogers respondeu que não o considerava “quebrado” e aproveitou a deixa para dizer que o pai dele também havia moldado suas melhores partes, pedindo para fazerem um minuto de silêncio e pensarem em todas as pessoas que os moldaram com seu amor.

Era uma oração, por óbvio. O filme pouco adentrou a religiosidade de Rogers, sua fé, seu plano de evangelização, mas há uma cena breve, porém significativa, dele ajoelhado ao lado de sua cama, com um caderninho nas mãos, recitando nomes de pessoas por quem rezava. O filme também o mostra pedindo ao pai de Lloyd, que estava à beira da morte, que rezasse por ele, Rogers.

Rogers não amava pessoas “quebradas”, amava a Graça que as podia consertar. Por isso, sabia que o poder da oração era muito maior do que qualquer coisa que ele pudesse fazer por vontade própria

A difusão da graça através da oração e ação de Fred Rogers tocou Lloyd, que no fim das contas conseguiu perdoar o pai, aceitando que “os planos dos adultos às vezes não saem como esperamos”. No artigo para a Esquire, Tom terminou confessando que não só rezou, como sua oração foi atendida. Rogers, portanto, não amava pessoas “quebradas”, amava a Graça que as podia consertar. Por isso, sabia que o poder da oração era muito maior do que qualquer coisa que ele pudesse fazer por vontade própria.

Da oração para a ação, mesmo depois da morte. Em 2013, dez anos depois do falecimento de Rogers e em razão do atentado na maratona de Boston, viralizou um trecho de outra entrevista sua dada muitos anos antes, em que disse: “Quando eu era menino e via coisas assustadoras nos noticiários, minha mãe me dizia: ‘Procure os ajudantes. Você sempre encontrará pessoas que estão ajudando’. Até hoje, especialmente em tempos de ‘desastre’, lembro-me das palavras de minha mãe e sempre me sinto confortado ao perceber que ainda existem tantos ajudantes – tantas pessoas atenciosas neste mundo”.

Fred Rogers era um desses ajudantes. E procurava “parceiros” para conseguir montar a “barraca”. Que barraca? Tom escreveu na Esquire que Rogers “não queria ir para o Céu; ele queria viver no Céu aqui, agora, neste mundo”. Eis sua barraca. Mas como fazer isso? Tom continuou, narrando o momento em Rogers falava das pessoas que amava nessa vida, daí parou, olhou para o entrevistador e disse: “As conexões que fazemos no curso de uma vida – talvez seja isso que o céu é, Tom. Fazemos tantas conexões aqui na terra. Olhe para nós – acabei de conhecer você, mas estou investindo em quem você é e em quem você será, e não posso não ajudá-lo”.

Se chegou até aqui, leitor, é porque essa conexão aconteceu. Bem-vindo à barraca de Fred Rogers.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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