“A partir de agora vocês fazem parte dela, da família da Universidade Federal do Paraná. A tarefa é defendê-la, é protegê-la com unhas e dentes.”
Eis como o reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, recepcionou os aprovados no último vestibular da instituição, em discurso feito na última sexta-feira, 11 de janeiro de 2019. É possível assisti-lo em um vídeo publicado em uma de suas redes sociais. Não sei você, leitor de fora da família, mas por esse discurso fiquei com dificuldade de diferenciar o que significaria entrar numa universidade e numa máfia.
O contexto do discurso é de um ufanismo para lá de deslocado da realidade, como se a educação brasileira fosse modelar, digna de aplausos. A realidade escancarada é que o estado da nossa educação é trágico, com nossos alunos tirando recorrentemente as piores notas em testes internacionais e o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) revelando que mal passamos de 10% de alfabetizados com proficiência. Vangloriar-se de qualquer coisa nessas circunstâncias é ser parte do problema, não da solução. Talvez por isso mesmo o próprio reitor confessou, segundos antes de sua convocação para a “guerra”, que a universidade “é uma instituição que por alguma razão, que lhes confesso eu não sei explicar direito, acabou virando alvo de ataques a todo momento”.
Talvez Vossa Magnificência não saiba explicar porque ainda não enxergou, não entendeu ou não aceitou a realidade. Uma pesquisadinha básica no Google procurando por “antes e depois da Federal” já seria bom começo. Mas, se quiser entender mesmo, tem de ler A Corrupção da Inteligência, livro de estreia do doutor em Antropologia Social e colunista da Gazeta do Povo Flávio Gordon. É apenas na conclusão que a nossa tragicomédia universitária é minuciosamente retratada (com fartas provas e citação de fatos), mas, sem tomar consciência de tudo o que é exposto antes disso, será impossível compreender a gravidade do estado de coisas nas universidades.
Embora subdivido com uma introdução longa e duas partes, o livro é melhor lido sem divisões, como uma narrativa histórica única que vai aos poucos deixando muito claro como chegamos aonde estamos. Gordon conseguiu algo raro: expressar sua visão de um todo cujas partes estão perfeitamente articuladas na realidade dos fatos, não a partir de uma teoria, seja qual for. E o autor é generoso com o leitor, que pouco esforço precisa fazer para perceber e compreender essas conexões entre os fatos e suas relações de causa-e-efeito, dando tempo para a absorção do que para muitos será inédito e surpreendente, mas inegável. No fim, a conclusão é inescapável e acachapante:
“Os pais, que outrora lamentavam perder os filhos para as drogas e as más companhias, agora os perdem para a universidade. Mais dia, menos dia, e a menina dos olhos da família, outrora tão carinhosa e prestativa, entra porta adentro transformada na mulher-cachorro, mais uma vítima dessas gigantescas máquinas de despersonalização em que se converteram as faculdades brasileiras, ao mesmo tempo origem e produto de toda a corrupção da inteligência.”
Quem quer que tenha tido a curiosidade de pesquisar no Google “antes e depois da Federal” já entendeu do que se trata, mas melhor fará se compreender como e por que isso aconteceu e está acontecendo. Talvez o nobre reitor não queira ler, considerando a obra indigna de atenção, o que seria lamentável para a instituição que preside (e não uma família), mas aí valerá o verso de Chico Buarque: “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. Porque o livro já se tornou um best-seller. Lançado em 2017, já se encontra na oitava edição. No Brasil, é muita coisa. Por isso, ignorar o livro não é opção. Não para quem quer defender “com unhas e dentes” o que parece um “ataque” às universidades. Assim, espero sinceramente que alguém “da família” refute a obra. Nem peço muita coisa, só a prova de que os fatos narrados foram inventados, nunca existiram. Prometo divulgar por aqui com o mesmo destaque.
Já aos novos “soldados” da UFPR que porventura estejam lendo agora, deixo outra recomendação, além da leitura do livro de Gordon, que lhes ajudará a entender o que é que terão de realmente defender e proteger com unhas e dentes dentro das universidades atualmente: a sua própria inteligência. A sugestão é a de (re)assistirem à trilogia clássica do cinema O Poderoso Chefão.