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A Direita que não é liberal nem conservadora

Reprodução. (Foto: )

Você já ouviu falar da direita tradicionalista, caro leitor? Se quiser conhecê-la melhor sugiro a leitura da obra Da Direita Moderna à Direita Tradicional – análise de uma categoria metapolítica, de Cesar Alberto Ranquetat Júnior, publicado pela editora Prismas, que serve também como uma das raríssimas críticas à direita atual vindo desde dentro dessa mesma direita.

O livro é estruturado em 7 capítulos, começando o autor por tratar da caricatura que a esquerda produziu da direita e que dominou o imaginário coletivo nas últimas 3 décadas, pelo menos, passando em seguida a esclarecer e explicar as origens históricas, os tipos e definições de direita e por fim tratando do simbolismo universal da direita e esquerda. Esclarecido e estabelecido tudo isso o autor parte para uma análise crítica do liberalismo e do conservadorismo, defendendo o que seria uma direita tradicional para, por fim, analisar a nova direita brasileira duvidando seja ela de fato um novo despertar da “verdadeira” direita (as aspas são minhas).

Um dos maiores méritos do livro é sua exposição simbólica da direita e esquerda, que pode ajudar muito ao leitor atual desorientado com as ideologias em voga e que mal se dá conta da origem dos valores e critérios com os quais se conduz na vida e avalia tudo o que acontece. O contraste entre o que a esquerda conseguiu impôr como significado da direita nas últimas décadas e o simbolismo universal do que seria a direta e a própria esquerda é pedagógico, diria até exorcizante. Nas palavras do autor: “Etimológica e semanticamente, a direita é o que é justo, reto, correto, conveniente, sincero, fundado, razoável e verdadeiro. Já a esquerda e o esquerdo, explicitam noções negativas, tais como sinistro, obscuro, torto, torpe, sem valor, débil, incorreção, oblíquo, desafortunado e inepto.”

Antes de sair me xingando de fascista, intolerante etc., leia o livro. Por mais estranho e incômodo que seja considerar direita e esquerda dessa forma, o autor demonstra que em todas as tradições, religiões e civilizações o simbolismo de direita e esquerda é idêntico, universal portanto, e significa o que o sentido etimológico e semântico apontado das palavras direita e esquerda indicam. Mas no imaginário coletivo brasileiro das últimas décadas se estabeleceu precisamente o inverso. A esquerda  ficou associada ao “justo, reto, correto” etc., enquanto que à direita coube encarnar o “obscuro, torto, torpe”. Esclarecendo o engodo esquerdista a que muitos “direitistas” atuais ainda estão presos (para descobrir se você é um deles basta se olhar no espelho e ver quão envergonhado você se sente do seu direitismo, seja ele qual for), passa o autor, à luz do simbolismo exposto, a analisar o que se apresenta como sendo de direita.

O liberalismo é o primeiro a ser tratado e o autor não deixa dúvida de que os erros e fraquezas o tornam uma “pseudodireita”. Em suas palavras: “O liberalismo ‘puro’ é o tipo de direita que mais agrada à esquerda, é a direita da esquerda. Na verdade, é uma pseudodireita que convém ao sistema. Esta ‘direita liberal’ fez e continua a fazer excessivas concessões ao mundo moderno, sucumbindo, muitas vezes, ao otimismo progressista ingênuo e romântico da esquerda.” Melhor sorte não tem o conservadorismo à luz da análise do autor: “(…) o conservadorismo é uma força de contenção, um sistema de freio e controle dos processos desagregadores da modernidade, porém não é, de forma alguma, uma vertente de pensamento e uma orientação existencial de contestação global ao establishment, que, portanto, busque uma renovação e reconstrução da ordem social. Procura, tão somente, atenuar e suavizar os efeitos deletérios do liberalismo. Concretamente, é uma forma moderada de liberalismo que, grosso modo, contenta-se com uma ação de retaguarda no tocante ao radicalismo revolucionário progressista.”

Direita direita mesmo, só a tradicional, apresentada ao final do livro: “O homem da direita tradicional é, essencialmente, um reacionário e um contrarrevolucionário. Reage contra a desordem moderna, recusando-se a assistir de braços cruzados à destruição revolucionária das instituições e dos valores tradicionais. (…) Não há, nesta civilização degradada, nada que mereça ser conservado. O reacionário, portanto, nesta época decadente não pode ser conservador.”

Ao terminar a leitura surgiram-me várias dúvidas, a começar pelo que me parece uma contradição considerar nada existir na civilização atual que mereça ser conservado e ao mesmo tempo querer reagir contra a destruição dos valores e instituições tradicionais. Se esses ainda existem, então fazem parte desta “época decadente” e aí se trataria de conservá-los, não? Se não existem, então foram destruídos e a luta é por sua restauração, o que exige a prévia destruição do chamado “mundo moderno”. E aí vem outra dúvida: como destruir o mundo moderno ou como retornar ao mundo pré-moderno da tradição? Com propaganda? Eleição? Luta armada? Não são perguntas retóricas, nem irônicas, e a resposta dificilmente escapará de algum compromisso com o “mundo moderno”, a começar pelo uso do nome “direita” que já é uma concessão, uma vez que o sentido político agregado ao símbolo surgiu na modernidade.

Mas o que mais me incomoda no tradicionalismo é o tratamento dado ao cristianismo. Segundo o autor “a principal e mais importante expressão concreta da tradição no Ocidente é a religião cristã, mais exatamente a Igreja Católica”. Se é assim o tradicionalismo abarca o cristianismo, sendo uma de suas expressões. Se um cristão admite isso está no mesmo ato aceitando que uma eventual restauração do “mundo tradicional” possa ser não-cristã, o que é ferir de morte sua vocação de “ide e evangelizai”. Ainda, o próprio surgimento do cristianismo foi profundamente “não tradicional” à época. Jesus Cristo foi pedra de escândalo ao se apresentar como filho de Deus. Os tradicionalistas judaicos ao escutarem isso rasgaram suas vestes tradicionalíssimas e o condenaram à morte. De uma perspectiva tradicionalista de então, o cristianismo seria algo a ser combatido, como de fato o foi, e não uma de suas expressões. Como se vê, problemas não faltam aqui.

Enfim, muito mais poderia ser tratado e discutido sobre o tradicionalismo e o livro de Cesar Alberto Ranquetat Júnior, mas o espaço e o tempo não me permitem mais do que sugerir sua leitura, esperando tenha despertado a curiosidade, contrapondo essas dúvidas e considerações acima, concluindo que o tradicionalismo na realidade concreta atual não me parece ter outra substância que não seja o desprezo pelo mundo moderno.

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