O próximo domingo é o da Esperança. Para simbolizá-la, nas igrejas será acendida a primeira vela do tempo do Advento, lembrando-nos das promessas do Messias – que não é o Jair, peloamordeDeus! Deixai toda política, ó vós que entrais nesta crônica! Por favor...
Nos dez anos que por aqui escrevi, chegada essa época costumo me pautar pelo Advento. Ei-lo, eis-me. O próximo domingo é o da Esperança. A repetição não é inútil; é uma das manifestações dela, aliás, desde que seja também uma renovação. “Eis que faço novas todas as coisas” é das minhas passagens preferidas da Bíblia. Está no Apocalipse, capítulo 21, versículo 5.
Para o católico, o Advento se inicia com a liturgia falando sobre o fim dos tempos, sobre a segunda vinda de Cristo. Mas, em minha meditação particular, ainda careço mais de meditar sobre a primeira, da vinda que não deixa de ser o começo dos tempos, afinal, estamos em 2024 graças a isso. Até o antes se conta em função do Menino que nasceu depois.
Sigo mais ou menos o mesmo roteiro: começo “apagando” tudo que veio depois do Menino, até seu nascimento, ficando apenas com o que existia antes dEle, com a promessa de sua vinda, com o tempo grávido da eternidade. O espanto de Maria, sua pergunta – uma única, uma só... “Como se fará isso?” –, sua entrega. Quantas perguntas você faria?
Não sei se é a esperança quem nos faz suportar todo o peso do mundo, mas sei que ela o torna mais leve, tenha o peso que for
Nunca recebi visita de anjo nenhum; nenhuma aparição de Maria também. De experiência mística só em imaginação, e olhe lá. A vida de oração parece mais um solilóquio na maioria das vezes, confesso. Acho que faço perguntas demais, ainda estou no “Como se faz isso?”.
Talvez só tenha a Esperança, que, antes de ser a face da Fé, é o que resiste no fundo de toda descrença, desespero, tristeza. Não sei se é a esperança quem nos faz suportar todo o peso do mundo, mas sei que ela o torna mais leve, tenha o peso que for.
A esperança é como um passarinho a pousar na alma, uma das mais belas imagens já criada para ela. Foi por Emily Dickinson em uma de suas poesias, cuja primeira estrofe reproduzo na tradução de Isa Maria Lando:
Esperança é a que tem plumas –
E na alma vem pousar –
E canta a canção sem palavras –
E nunca para de cantar –
E nunca para de cantar... Em outro poema, Dickinson volta a utilizar a imagem do passarinho para a Esperança, agora não como quem pousa na alma, mas dela se recusa, teimosamente, a abandonar. Reproduzo a parte do poema que basta para entendê-la, em tradução de José Lira:
É claro que rezei
mas Deus não me prestou
a menor atenção
(Deus ó Deus
onde estás)
Foi como se um passarinho
batesse o pé no céu
e gritasse
“ME DÁ”
Como Deus ouviria com tantos passarinhos a piar por todos os lados? Ainda assim, batemos o pé, a esperança é assim. E Deus ouve, não à toa São Paulo escreveu em sua carta aos Romanos: “Porque pela esperança é que fomos salvos”.
A esperança é como um passarinho a pousar na alma, uma das mais belas imagens já criada para ela
Viver de Esperança é também viver na Fé, seu fundamento. Mas nenhuma se sustenta sem ser alimentada pela Caridade. É, no fundo, o que estamos a implorar nos “ME DÁ” que exigimos de Deus, batendo o pé cá embaixo. Sem a Caridade, não teríamos Esperança.
Como a esperança não se despede, mas segue a cantar um canto sempre novo, termino com mais um poema de Emily Dickinson, na tradução de Aíla de Oliveira Gomes:
Não viverei em vão, se puder
Salvar de partir-se um coração,
Se eu puder aliviar uma vida
Sofrida, ou abrandar uma dor,
Ou ajudar exangue passarinho
A subir de novo ao ninho –
Não viverei em vão.
Que seu Advento não seja vivido em vão, caro(a) leitor(a).
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