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Foto: Cau Guebo/Raw Image/Estadão Conteúdo
Foto: Cau Guebo/Raw Image/Estadão Conteúdo| Foto:

Eis uma pergunta tola. Porque a resposta é óbvia. É claro que tem. Só deixa de ser óbvia para quem esquece que toda arte é resultado de uma ação humana. Ou seja, o limite da arte é o limite da ação humana. Sendo assim, a pergunta correta tem de ser: o ser humano tem limite? Viu como a resposta é óbvia? Ou vai me dizer que acha que somos ilimitados e ilimitáveis? Se acha isso, então pule do oitavo andar de um prédio qualquer e tente voar.

O ser humano não apenas tem limites naturais como a vida em sociedade exige limitações culturais. O que são as leis senão isso? Não podemos dirigir veículos livremente, por exemplo; há uma série de limitações no código de trânsito que nos “oprimem”. E que dizer das limitações do Código Penal? Alguém aí é livre para matar, roubar, estuprar e vilipendiar culto religioso? Não segundo nosso Código Penal. Você pode discordar, achar absurdo etc. e tal, mas se cometer qualquer dessas ações será sancionado, vendo sua liberdade contida.

Se você ainda tem dúvidas se arte tem limite, então faça um breve e singelo exercício de imaginação. Digamos que naquela exposição sexual do Santander Cultural tivéssemos não uma pintura com dois sujeitos currando uma cabra, mas uma performance “artística” com dois depravados currando uma cabra ao vivo. Agora “passou do limite” ou ainda pensa que artista pode tudo?

A quem tenha dificuldade de entender o óbvio recomendo assistir ao primeiro episódio da série Black Mirror, na Netflix, que muito mais do que “problematizar” nosso tempo de opinião pública virtualizada é um retrato excelente sobre a que ponto chegamos na perversão do que consideramos arte. Mas não deixe de assistir até o fim, pois é durante os créditos que se revela que tudo não passou de uma “obra de arte”. Logo, segundo a noção entortada dos libertários defensores daquela exposição sexual bancária, seria “válida”.

É claro, portanto, que arte tem limite, o limite da liberdade humana. A questão que interessa, então, é: qual o limite da liberdade humana? Conhecendo a história, constatamos que a liberdade varia conforme a época, a sociedade, a cultura. E investigando cada uma delas descobrimos que o limite sempre foi, é e será definido pela moral vigente. Sim, moral. Usarei como exemplo nossa própria época, sociedade e cultura. Como o assunto é sexo, fiquemos nisso a título de exemplo.

Vivemos uma era de quase total liberdade sexual, concorda? Em termos culturais, somente pedofilia e zoofilia ainda não se tornaram “aceitas”, mas se a turma defensora da exposição sexual do Santander continuar insistindo sem ser contestada isso em breve também será considerado culturalmente “normal”. “Avançamos” tanto – perdoem o excesso de aspas, mas só deveríamos levar a sério nossa época assim, entre aspas – que ultrapassamos a fase de conquistar liberdades na esfera da cultura, é preciso agora também nos libertar das limitações naturais. Por isso, para alguns, ser homem ou mulher se tornou uma escolha independente do corpo. Se o sujeito acha que nasceu mulher em corpo de homem, tem toda a liberdade de cortar fora tudo que seja “de homem” e transformar-se em mulher. E resolvido. Não há limites para nossa liberdade de sermos o que for. Se você quiser ser um tatu-bola, por que não? Seu corpo, suas regras.

Nada mais “natural”, portanto, do que existir uma exposição dita artística nivelando todas as formas de satisfação sexual, incluindo a zoofilia e o “direito” da criança se achar “viada” muito antes de qualquer maturação sexual do seu corpo. E ai de quem achar que isso possa induzir à sexualização precoce das crianças, o que significa dizer, por óbvio: incentivar a pedofilia. Para esses, a resposta está pronta: é arte, bebê, e você seria um reacionário cheio de ódio moralista pelo diferente e arte não pode ser cerceada por moralismos.

Como se a arte existisse sem alguma moral. Tente desvinculá-las, como faz o esteticismo, aliás, e no mesmo ato estará fazendo um manifesto moral: a arte é livre e é proibido proibi-la. Isso é tão moral quanto dizer que a arte não é livre incondicionalmente. A exposição citada, por exemplo, é tão moralista quanto qualquer de seus críticos. Sua finalidade sempre foi clara, nunca visou algo de artístico, mas político, logo, moral. Quis-se e quer-se causar uma “reflexão” a respeito da limitação à liberdade sexual. Está lá no projeto da bagaça, só ler.

A moral que adotam, portanto, tem como princípio universal e superior a todos os outros essa tal de liberdade sexual que, não podendo ser limitada por outro valor, seria incondicionada. Que regra moral advém desse princípio? A de que não se pode tolher as liberdades sexuais. Em outras palavras, significa erigir a tolerância como a regra ao mesmo tempo em que se é intolerante contra quem não seja tolerante. Entendeu? Deixa eu tentar explicar. Em nome da tolerância à liberdade cerceamos a liberdade alheia de ser intolerante. Hein? Pois é, coisa de maluco, mas é assim. Aí a esquizofrenia moral tem início e não demora muito para vermos os tolerantes limpinhos de ontem se tornando os mais odiosos dos seres hoje. Quer um exemplo?

Veja a recente decisão judicial devolvendo a liberdade aos psicólogos de atenderem homossexuais desconfortáveis com sua situação, sofrendo por conta dessa condição. É uma conquista da liberdade, é evidente. Mas como os adeptos da liberdade sexual incondicionada estão tratando essa sentença? Claro, com todo o ódio possível contra quem pense o contrário deles. Como se alguém estivesse obrigando homossexuais a terem tratamento psicológico e nenhum homossexual tivesse o direito de recebê-lo. Nem se tocam de que estão a afirmar: todos têm liberdade para ser homossexuais, mas ninguém tem liberdade para deixar de ser. É patético, é grotesco, é doentio, mas essa gente se acha a última coca-cola no deserto da tolerância e empatia e quer porque quer proibir psicólogos de atender quem está sofrendo.

Como os tolerantes podem chegar a esse ponto de serem os campeões da intolerância com quem deseje não ser mais homossexual ou sofra por causa disso? Quando a conquista dessas liberdades sexuais se consolidou, não tendo muito mais o que conquistar – salvo zoofilia e pedofilia, o que está em progresso, como vimos. Por isso, já não se trata mais de lutar pela “liberdade”, mas de impedir que ela seja supostamente “diminuída”. É aí que seu moralismo se revela de vez, com nome e sobrenome: Politicamente Correto. O que é essa estrovenga senão um verdadeiro código moral que se pretende válido a todos como se fosse um código penal e civil?

Nessa decisão judicial sobre atendimentos psicológicos a homossexuais, por exemplo, houve fiel do politicamente correto considerando a decisão um crime. Crime? Com base em que lei? Ora, a do politicamente correto, que para seus adeptos tem valor igual às tábuas da lei mosaica. O politicamente correto é a única religião que admitem; na verdade, a única que toleram. Todas as outras não teriam liberdade nem sequer de expressar seus valores divergentes, como se viu na reação que tiveram ao boicote à exposição sexual do Santander. Eis aí como os pretensos campeões da tolerância e da liberdade, quando retirados da sua zona de conforto, revelam sua aversão profunda ao diferente a ponto de criminalizá-lo. Mas fascistas são os outros, claro.

E, já que respondi se arte tem limite, termino deixando outra dúvida para a qual não tenho resposta ainda: defensor do politicamente correto tem limite?

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