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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Teorias da conspiração

Nada parece incrível quando o assunto é política

Donald Trump é retirado pelo serviço de segurança do comício após ser baleado. (Foto: EFE/EPA/David Maxwell)

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“Nada parece incrível quando o assunto é política ou religião.” Era a primeira frase da crônica. Autoria do Milton Hatoum, não sei a data, está presente na coletânea Um Solitário à Espreita. Parei a leitura, apoiei os talheres no prato em que comia a crepioca, que ficou ali esfriando. Um gole mais demorado no café, olhar estacionado no livro amparado na garrafa térmica bordô. Pensando sobre. Será tudo crível mesmo?

Talvez seja, talvez seja. De religião, conheço o suficiente da minha, a católica, para saber que os olhos da fé, em busca da Verdade, atravessam o que não seria crível. Ainda que Aquela seja considerada loucura aos olhos dos ateus. O incrível é exorcizado pela confiança, mais do que pela crença. Mas quando se trata de política, sei não…

Terminei a crepioca deixando de lado o raciocínio, voltei à leitura da crônica, esperando que o autor desenvolvesse a afirmação inicial. Mas foi por outro caminho, como costuma acontecer nas crônicas. É intitulada Tarde Delirante no Pacaembu, mas tampouco era sobre futebol, tratava de um culto pentecostal.

Nada parece incrível, como, por exemplo, ter quem ache incrível que os atentados contra Trump e Bolsonaro tenham realmente acontecido

Servi-me de outra xícara de café, sem leite desta vez, com essa coisa de crível e incrível serpenteando meus pensamentos. Atravessou-me a lembrança a recente tentativa de assassinato de Trump, quando de imediato já havia quem desconfiasse que fosse tudo uma armação do próprio Trump. E não foram poucos.

“Ou seja, há certas coisas que são incríveis, sim, em política”, pensava, enquanto lidava com os botões da minha camisa. Incrível, no caso, de ter havido, de fato, um atentado. Incredulidade com que nós, brasileiros, até estamos acostumados, afinal, até hoje há quem ache incrível o atentado sofrido por Bolsonaro, que só poderia ter sido uma “fakeada”, como costumam chamar.

Enquanto o notebook acordava, voltei o pensamento para mim. E eu, em política, como sou? Melhor, como estou? É, estou como Hatoum: nada parece incrível, como, por exemplo, ter quem ache incrível que esses atentados tenham realmente acontecido. Tanto acho tudo crível que, se porventura descobrirem que foi tudo armação mesmo, não ficarei surpreso. Ou seja, a hipótese não me é incrível.

Como não me parecem incríveis nenhuma das hipóteses que andam levantando sobre a desistência de Biden da reeleição. Teria sido pela razão apontada por ele ou por outra que não se revelou e não se pode revelar? Pois não acredito em nenhuma e, ao mesmo tempo, em todas. Porque tudo é possível. Nada será incrível para mim.

Abri o processador de texto incomodado comigo, tentando pensar no que escreveria nesta semana para a Gazeta, mas não consegui desviar a atenção do pensamento seguindo seu curso sobre minha credulidade que não tem nada de virtuosa, um fruto da confiança, da fé. Pelo contrário, nada me é incrível em política por desconfiança.

De fato, não confio mesmo. Não confio nos políticos, não confio na imprensa que deveria buscar a verdade e somente informar com acuidade, não confio em redes sociais, não confio no que chega pelo WhatsApp. E, sendo bem honesto, devo confessar que, ao saber do atentado contra Trump, instintivamente me veio também a hipótese sobre se teria sido real. Logo a afastei ao me informar melhor, mas não muda o fato de que a desconfiança veio primeiro, tornou-se um ponto de partida, algo “normal”.

Não confio nos políticos, não confio na imprensa que deveria buscar a verdade e somente informar com acuidade, não confio em redes sociais, não confio no que chega pelo WhatsApp

Preocupante. Porque isso é a antessala da dessensibilização, quando nada mais espanta e tudo se aceita. Vai ver é assim que as maiores barbaridades se consumam, como governos totalitários perduram. Estão aí os exemplos recentes das sociedades alemã e soviética, que falam por si. E eu sei que não sou uma exceção em nosso país. Não somos uma “sociedade da confiança”, mas o oposto disso.

O fim da crônica de Hatoum me voltou à mente. Terminou assim: “Não sei quando isso tudo terminará. Talvez não termine nunca e seja apenas o começo de um tempo ainda mais sombrio”. Ele escreveu sobre outra coisa, mas esse receio serve aqui também, para essa desconfiança generalizada que torna nosso tempo mais sombrio. O receio cabe, mas não a desesperança, ainda que esta pareça incrível. Mas nunca é, não para quem tem fé.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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