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Foto: Kelly Fuzaro/Divulgação/Band
Foto: Kelly Fuzaro/Divulgação/Band| Foto:

Se Ricardo Boechat fosse, como opinador, tão bom quanto era como âncora, teria sido o maior e melhor radialista que já ouvi. Mas como opinador era comum, com o seu poder impressionante de comunicação e oratória compensando as bobagens que dizia com frequência. Como âncora, porém, era imbatível, até depois de morto.

Quando soube de sua morte, estava no carro e imediatamente sintonizei na emissora em que horas antes havia apresentado seu programa diário. Sua ausência comandava tudo, absolutamente nada estava sendo transmitido além da vinheta da rádio. Depois de muitos minutos, locutores chorosos tentavam dizer algo, mas logo eram obrigados a voltar com a vinheta que se repetia, então, por muitos longos minutos a mais. Sem Boechat, a rádio inteira deixava de existir. Não apenas pelo choque imediato da morte repentina.

Tempos atrás, eu e minha esposa tínhamos uma rotina quase diária. Deixávamos os filhos na escola e íamos à academia. Na volta escutávamos, no rádio do carro, sua conversa com José Simão, num papo mais que descontraído e sempre divertido. Sendo Simão o humorista, seria natural que o mérito fosse dele, mas não era. Quando o quadro era conduzido por qualquer outro jornalista que não fosse Boechat a graça praticamente desaparecia. Ele fazia o mesmo quando falava com Milton Neves sobre esporte ou outros comentaristas sobre assuntos diversos. Sem Boechat, a rádio inteira não existia.

Durante esta semana fiquei surpreso ao conhecer melhor a pessoa, o homem Ricardo Boechat. Não fazia ideia que fosse uma personalidade tão íntegra, no sentido existencial e moral. Boechat não era um apresentador de rádio e televisão quando trabalhava; era ele mesmo. Não havia separação entre os papéis profissionais que desempenhava e a pessoa que era. Uma personalidade inteira, algo raro hoje em dia.

Por sua integridade, Boechat não se reduzia ao vestido das ideias que defendia, fossem quais fossem. Não era militante, era jornalista. Mas jornalista de outra época, cujo compromisso maior era com a verdade dos fatos que merecem virar notícia, tanto fazendo a quem beneficiariam ou prejudicariam. Não era, portanto, dessas prima-donas jornalísticas cuja pluralidade e diversidade autoproclamadas nada mais são do que intolerância ao que não lhes é espelho. Porque não era militante, era livre.

Tão livre que por isso mesmo era dos poucos jornalistas a não embarcar na histeria das chamadas “fake news”, termo que odiava, chamando-as pelo que realmente são e sempre foram: mentira. Em suas palavras: “A mentira sempre esteve presente na história da humanidade. (…) A mentira hoje é muito menos perene porque a mesma tecnologia que difunde em escala planetária e velocidade cósmica a mentira do fake news (…) é a tecnologia que a desmascara quase que instantaneamente. O cidadão nunca esteve tão apetrechado, com tantos instrumentos ao seu alcance para saber se as coisas são mentirosas ou não. (…) Há uma democratização na construção das versões. A própria imprensa construiu a sua mística dizendo que era testemunha ocular da história — esse era o bordão do Repórter Esso. Por que nós éramos testemunhas? Porque nós nos apropriávamos dos relatos das testemunhas e dávamos difusão de massa, propagação. Hoje, esse cara faz isso sozinho! Então, ele imprime a versão, ele conta a história”.

Essa fala está contida em uma de suas últimas entrevistas, dada no início deste ano e disponível no YouTube em duas partes, atendendo ao pedido de um rapaz que está a iniciar sua carreira de comunicador, o que é apenas mais uma demonstração da generosidade de Boechat, que sempre dava ouvidos aos jovens, conversava, dava conselhos e mais do que isso. Nessa mesma entrevista, contou que gravou um curso on-line sobre jornalismo a pedido de dois rapazes apenas para ajudá-los, fazendo um favor de pai para filho, sem nada ter cobrado nem ganhado com o curso.

Relatos assim surgiram aos montes nesta semana. Por isso, mais do que íntegro, Boechat era também um homem bom, caridoso, de gentilezas constantes e mãos estendidas inclusive aos de quem, no plano das ideias, divergia frontalmente. Reinaldo Azevedo, por exemplo, quando saiu de uma emissora num caso ruidoso, encontrou em Boechat o amigo improvável que imediatamente entrou em ação para trazê-lo à rádio em que trabalhava, e lá Azevedo ainda permanece.

Mas, para mim, a prova maior de que não era apenas uma grande voz num “fake man” foi sua postura quando adoeceu de depressão em 2015, desaparecendo do rádio e tevê por 15 dias. Ao voltar, fez questão de contar ao público a causa do sumiço. Só homens de verdade fazem isso. Infelizmente, dizia-se ateu, mas por causa da depressão passou a acreditar que o inferno existe. Rezo para que Deus tenha misericórdia e que Boechat tenha descoberto que o Paraíso também existe.

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