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Will Smith em cena do filme Beleza oculta.
Will Smith em cena do filme Beleza oculta.| Foto: Divulgação

“E tudo me deu um enjoo. Tinha medo não. Tinha era cansaço de esperança.” E fiquei parado, largado diante da página. É de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, mais uma de minhas releituras neste ano que em tudo me deu um enjoo. Medo tive, tenho, não de morrer, mas desse cansaço da esperança. Aí me gela a alma.

Mas, num ano de tantas esperas, como não cansar? Esperávamos que a pandemia não fosse tão grave; foi pior. Esperávamos que as quarentenas não durassem tanto e estão longe de acabar. Agora, esperamos que as vacinas venham o quanto antes. Virão? E, se vierem, resolverão? É tudo espera, espera, espera... Mas quanto dessa espera é esperança?

Porque há diferença. Muita. Que pode ser melhor enxergada no personagem Howard Inlet, interpretado por Will Smith, no filme Beleza Oculta, de 2016, atualmente disponível na Netflix (Haverá spoilers na sequência, deixo avisado aos spoilerfóbicos). Howard perdeu sua filha de 6 anos para um câncer. Dois anos depois, seguia vivendo como se a morte fosse todo dia, recusando-se a recomeçar.

Será que neste ano irão cancelar as celebrações pelo nascimento de Jesus com a desculpa da pandemia?

Logo no início do filme, mostrou-se uma série de livros lidos por ele: de religião, espiritualidade, autoajuda. A certa altura, respondeu a um dos personagens citando tudo que aprendeu com essas coisas e do quanto sabia que a morte seria parte natural da vida, que só daria para aceitar. E disse: “Eu entendo, mas é só besteira intelectual porque ela não está aqui segurando minha mão”.

Não aceitava a morte, mas tampouco desistia da vida, escrevendo cartas ao Tempo, ao Amor e à Morte e remontando todos os dias uma sequência de peças de dominó para, em seguida, fazê-las desabar. O que esperava com isso? Não sabia. Era uma espera sem espera. E isso é esperança pura, algo que só é compreensível quando nos damos conta de que não somos nós quem temos esperança, mas ela quem nos tem.

Não por outra razão a Fé, a Esperança e a Caridade são consideradas virtudes divinas, infusas por Deus, não como conquistas humanas. Howard poderia não saber, até recusar, mas a esperança que o sustentava, sem a qual ele se suicidaria de imediato, é a esperança de que a morte não seja o fim. O mínimo de esperança já é redenção em forma de não desistência. É a resposta à pergunta: “por que você não se mata?”

No filme, a Morte, o Tempo e o Amor intervêm na história, respondendo não apenas a Howard, mas também aos demais personagens, mudando a vida de todos para melhor. É uma intervenção claramente transcendental, com a Morte sendo, na verdade, a Fé, a fé de que a morte não é o fim, com isso transformando o Tempo em Esperança, a esperança que faz Howard não desistir, permanecendo próximo da ex-esposa, mesmo aparentemente tão distante, tornados estranhos um ao outro, o que permite enxergar o Amor como mais do que aquele entre cônjuges, entre pais e filhos, entre amigos, mas como algo muito maior, como o “único porquê” da existência, de toda a criação, como a Caridade que vem em nosso socorro, sustentando nossa fé e esperança.

Eis a beleza oculta na dor e sofrimento de Howard, o amor consolador sustentando toda fé e esperança que lhe devolveu à esposa e amigos. Mas há outra beleza oculta no filme, simbólica no tempo em que a história se passa, no período do Advento, com os personagens se preparando para o Natal. Não há nada de explicitamente cristão no filme; provavelmente seus criadores negariam isso veementemente, desconfio. Mas não importa, a presença do Advento está ali, ocultando o Menino Jesus nas decorações natalinas, em cada penduricalho de árvore de Natal, em cada “boas festas”.

Será que neste ano irão cancelar as celebrações pelo nascimento de Jesus com a desculpa da pandemia? Meu cansaço de esperança diz que sim. Mas o Amor que consola e a tudo redime, nunca abandona, nem se afasta, ainda que ocultado em filmes como este e livros como Grande Sertão: Veredas, que entre começar e terminar este texto acabei de ler, descansando minha Esperança com trechos como este: “Mas ninguém pode me impedir de rezar: pode algum? O existir da alma é a reza... Quando estou rezando, estou fora da sujidade; à parte de toda loucura”. Amém.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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