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Francisco Escorsim

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Liberdade de expressão

A censura, Mark Zuckerberg e o “Casseta & Planeta”

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O humorista Bussunda interpretava uma paródia de Lula no extinto "Casseta " Planeta: Urgente". (Foto: Reprodução)

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“Chegamos a um ponto em que há muitos erros e muita censura”, afirmou Mark Zuckerberg, anunciando uma mudança significativa na forma como suas redes, Facebook e Instagram, lidarão com possíveis desinformações, tentando agora “reduzir drasticamente a quantidade de censura em nossas plataformas”.

Confesso ter ficado mais do que surpreso, um tanto quanto estupefato. A prática da censura foi confessada, mas não condenada. Não houve pedido de desculpas pelos “muitos erros”, pela “muita censura”, nem um “ops, errei, fui moleque”. Ou seja, para Zuckerberg, censurar não é errado em si, o problema é exagerar na dose.

Desconfio que muitos são assim também, só se dando conta da gravidade da censura quando o estrago se revela, tal como em uma infestação de cupins. Mas não é só no que se censurou que reside o problema. Há outro dano que se causa em relação ao futuro, creio que até mais grave, embora de difícil mensuração. Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Permita-me usar de algumas para tentar criar uma imagem aproximada desse dano.

A prática da censura foi confessada, mas não condenada. Não houve pedido de desculpas pelos “muitos erros”. Para Zuckerberg, censurar não é errado em si, o problema é exagerar na dose

Creio que todos ainda se lembram do programa de tevê Casseta & Planeta Urgente!, que foi ao ar pela Globo de 1992 a 2010, retornando com nome diferente em alguns meses de 2012. São incontáveis as sátiras feitas com artistas, políticos, jornalistas, celebridades, esportistas. Para refrescar a memória: Alexandre Gracinha (Alexandre Garcia), Xingo Nomes (Ciro Gomes), Viajando Henrique Cardoso (FHC), Luiz Desocupácio Lula da Silva (Lula) e por aí foi. Nada disso seria possível hoje em dia. 

Havia também paródias de novelas e outros programas da Globo. Aliás, volta e meia nas redes sociais voltam a viralizar algumas cenas, como a da paródia da novela Chocolate com Pimenta, que se tornou Chocolate Cumprimenta, com Hélio de La Peña cumprimentando pessoas na rua. O programa foi acusado de discriminação, claro, e processado algumas vezes. Lembro de um abaixo-assinado feito no Rio Grande do Sul pedindo a retirada do programa do ar pelas constantes piadas relacionando gaúchos à homossexualidade.

Uma situação em particular vale detalhar. Em 2008, no quadro Otário Eleitoral Gratuito, a trupe apareceu com o personagem Tinoco, o homem toco, que não tinha braços nem pernas, declarando: “Você me conhece: eu sou o Tinoco, o homem toco. Vote em mim que eu não vou meter a mão. E se eu roubar, não vou conseguir fugir”. A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB-RJ não gostou e soltou nota de repúdio. Sabe qual foi a resposta da Globo? Vamos a outro parágrafo porque merece.

Em resposta, a rede de televisão disse estranhar “que a OAB-RJ tenha tomado uma iniciativa contra a liberdade de criação e expressão artística”, sugerindo “que as pessoas verdadeiramente interessadas se empenhem mais em mudar a realidade do que em criticar a ficção”. Preciso dizer? Preciso: se fosse hoje, a resposta seria outra e o programa jamais faria algo semelhante. Mas calma, a imagem do estrago futuro da censura ainda não é esta.

Voltemos um pouco mais no tempo. O grupo que criou o Casseta & Planeta foi contratado pela Globo em 1988, mas, antes de ter o seu próprio programa, participou da criação de outro, o TV Pirata, do qual alguns episódios podem ser encontrados no YouTube. Havia um quadro chamado Piada em Debate, no qual os debatedores avaliavam, por exemplo, a representatividade de minorias nas piadas.

É mais engraçado hoje do que à época, porque se tornou uma realidade patética. Recentemente, o autor do livro que serviu de base para o filme badalado do momento, Ainda Estou Aqui, em que conta a história de sua família, toda branca, foi indagado no Roda Viva sobre a falta de representatividade dos negros na obra. Encaixaria como piada naquele programa, mas hoje você pode ser preso até se falar que a pergunta é ridícula. Mas ainda não é esta imagem que quero. Voltemos um pouco mais no tempo.

Não é só no que se censurou que reside o problema. Há outro dano que se causa em relação ao futuro, creio que até mais grave, embora de difícil mensuração

O Casseta & Planeta foi criado da fusão de dois grupos que faziam publicações satíricas, a revista Casseta Popular e o tabloide O Planeta Diário. Este último surgiu em 1984, criado por egressos do Pasquim, Hubert, Reinaldo e Cláudio Paiva. O país ainda vivia sob a ditadura militar, ainda que em fase de transição para a democracia. Há 40 anos, em janeiro de 1985, Tancredo Neves, casado com Risoleta Tolentino Neves, foi eleito indiretamente presidente da República, e era mais do que certo que ele faria aprovar eleições diretas para as próximas. A esperança era enorme, mas Tancredo faleceu antes da posse, em abril do mesmo ano.

Repito: vivíamos uma ditadura, com censura explícita ainda ativa. Eis a manchete de O Planeta Diário: “Dona Risoleta parte para carreira solo!” Nada aconteceu aos humoristas.

Agora, imagine se fosse hoje, se Lula morresse, com Janja, a Globo de hoje, o STF etc.

Não existirão futuros Casseta & Planeta.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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