1789. O irlandês Edmund Burke, integrante do partido Whig, de tendência liberal na Grã-Bretanha, contraposta à tendência conservadora do partido Tory, que havia apoiado a independência americana e era bem visto por liberais do continente europeu, foi à França para ver qual era a da revolução que a liberalzada de lá andava aprontando. Voltou antes do Terror dos anos seguintes. Quando a Bastilha caiu, foi questionado por um aristocrata francês sobre o que estava achando da revolução. Para surpresa liberal, Burke se posicionou completamente contrário. Sua resposta se tornou sua obra mais famosa, Reflexões Sobre a Revolução em França, publicada em 1790. Em resumo, foi como se Burke dissesse: “eles não sabem o que estão fazendo, vão ferrar com tudo!”
Burke não era um conservantista do passado pelo passado, inclusive advogava por várias reformas, mas, diante da insanidade revolucionária, ficou mais próximo de um reacionário que de um progressista. Com o tempo, Burke passou a ser considerado simbolicamente como o pai do conservadorismo moderno, ainda que ele próprio não fosse um conservador puro. Mas o que me interessa aqui não é o que veio depois, mas o momento do espanto de Burke diante dos ventos da mudança que testemunhava.
O espanto diante de radicalismos ou mudanças que parecem estranhas, açodadas, forçadas ou mesmo insanas desperta a disposição conservadora existente em qualquer ser humano, independentemente de suas crenças, valores ou ideologia
Corta para 1968. Em seu livro de memórias, Gentle Regrets: Thoughts from a Life (creio que ainda sem tradução no Brasil), Roger Scruton, um dos principais representantes do conservadorismo contemporâneo, revelou que nem sempre foi conservador. Assim se descobriu ao testemunhar o famoso Maio de 68, em Paris, quando estudantes universitários fizeram várias greves estudantis e propugnavam por uma revolução nos costumes, especialmente sexual. Aí o Roger deve ter pensado como o Tim Maia de Vale Tudo.
Corta para 2022. O quase triliardário Elon Musk, diante do progressismo radical – que, se ainda não cancelou, cancelará Tim Maia –, também vem se descobrindo mais conservador do que imaginava, também pelo radicalismo progressista. Em 18 de maio, Elon postou em seu Twitter que no passado votava nos democratas, mas, como o partido teria se tornado o partido da divisão e do ódio, passou a votar com os republicanos:
Dias antes, em 28 de abril, postou um desenho ilustrando a razão de sua mudança. Quanto mais os democratas foram se radicalizando à esquerda, mais o foram colocando próximo dos republicanos. Ainda que não tenha mudado de ideias, de valores e se considere mais ao centro do debate político, a radicalização progressista o fez se descobrir um pouco conservador.
O que há de comum nos três casos é esse espanto diante de radicalismos ou mudanças que parecem estranhas, açodadas, forçadas ou mesmo insanas. É um espanto que desperta a disposição conservadora existente em qualquer ser humano, independentemente de suas crenças, valores ou ideologia. E, nos tempos atuais, a tendência é vermos cada vez mais “conservadores” despertando, ainda que a contragosto ou de forma involuntária.
Um último exemplo. Enquanto escrevo chega a notícia da morte da rainha Elizabeth II. Uma professora progressista, horas antes, postou isso no Twitter: “Ouvi dizer que a monarca-chefe de um império genocida de ladrões está finalmente morrendo. Que sua dor seja insuportável”. Em seguida, a mídia social removeu a publicação, mas o print sobreviveu:
Achou “meio” exagerado? Outro bilionário, Jeff Bezos, também progressista famoso da atualidade, também achou. E adivinhe como reagiu? Também no Twitter, postou: “Esta é alguém supostamente trabalhando para tornar o mundo melhor? Eu não acho. Uau.”
E é assim que o conservador que há em cada um desperta, com um “uau”.
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