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Gosto muito de um livrinho de Carlos Drummond de Andrade chamado O Observador no Escritório. Adjetivo de “livrinho” não por menosprezo, mas por ser pequeno e guardar por ele muito carinho. É composto basicamente de anotações de seus diários escritos entre 1943 e 1977. Algumas foram publicadas em sua coluna no Jornal do Brasil, outras tantas estavam inéditas quando da publicação em livro. A razão de trazê-las a público o poeta expôs em seu curto prefácio: “Animou-me a ingênua presunção de que possam dar ao leitor um reflexo do tempo vivido de 1943 a 1977, menos por mim do que pelas pessoas em volta, fazendo lembrar coisas literárias e políticas daquele Brasil sacudido por ventos contrários. Fui, talvez, observador no escritório”.

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Os capítulos são divididos pelos anos das notas e preenchidos com a indicação de mês e dia, seguida das observações. Há pequenas maravilhas a revelar muito de quem somos, não só daquele tempo, mas de todos os tempos, ao menos até agora, como na nota datada de 20 de outubro de 1943: “Álvaro Lins conta que ia num táxi em companhia de amigos, e dois deles começaram a comentar desfavoravelmente a poesia de Jorge de Lima. Parando o carro, o motorista intimou-os: ‘Não concordo com o que os senhores dizem. O dr. Jorge tratou de mim, foi muito bom, e eu tenho a maior admiração por ele. Façam o favor de descer do meu carro’. Seguimos assim, não conseguimos discernir crítica de ataque pessoal. Até pioramos, hoje ninguém tem a gentileza de pedir por favor para que desçam do carro”.

Muitas notas são sobre fatos políticos que o tempo desbotou, mas cuja essência permanece atual, como a do primeiro dia do ano de 1956: “0:55 da madrugada. Estamos chegando do Cinema Roxy, onde vimos um filme medíocre de Bette Davis. Certos artistas não deviam permitir-se essas facilidades: ou tudo ou nada. Durante o complemento nacional, vivas e vaias ao general Dutra e ao brigadeiro findaram com o estouro de uma bomba que uniu brigadeiristas e dutristas no mesmo pânico. A luz acendeu-se e uma mulher de voz fina começou a proferir um discurso incompreensível. Pouco depois voltaram a escuridão e o filme. Não seria mau que a política ficasse fora dos cinemas”. Não seria, mas, se vivesse hoje, que diria Drummond diante desta realidade em que a política entrou em tudo e transborda por todos?

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Três notas de tempos diversos que a mim pelo menos dizem muito sobre nossa vida intelectual, que muito melhoraria se seguíssemos o exemplo do poeta. Em 17 de julho de 1958: “Aurélio Buarque de Holanda, conversando comigo, refere-se a um de nossos intelectuais: ‘Assim como há o inglês e o francês básicos, há também, para ele, um vocabulário português subbásico’.” Já em 7 de março de 1961: “Encontro casual com Guimarães Rosa, na rua. O assunto, no começo, é literatura, mas logo deriva para o mistério de tudo, que ele considera com um misto de gravidade e alegria. Sorri, ao dizer coisas assim: ‘A realidade, para mim, é mágica. Este simples encontro que estamos tendo agora não aconteceu por acaso; está cheio de significação’. Sorrio também, ignorante”. Por fim, em 25 de julho de 1965: “Aturdido, leio no jornal o artigo em que se analisa um de meus poemas à luz das novas teorias lítero-estruturalistas. Travo conhecimento com expressões deste gênero: ‘dinamismo dos eixos paradigmáticos’, ‘núcleo sêmico’, ‘invariante semântica horizontal’, ‘forma de referência parcializante e indireta’, ‘matriz barthesiana’… O poeminha, que me parecia simples, tornou-se sombriamente complicado, e me achei um monstro de trevas e confusão”.

Volta e meia releio essas notas de Drummond que têm em mim sempre o mesmo efeito, resgatando-me do aqui e agora para neles não me afogar. Desta vez reli não só com propósito terapêutico, mas também imitativo, pois estou a tentar finalizar um livro sobre a nova direita com base em algumas colunas que escrevi neste espaço e, ao revisitar meus escritos, não tive como não me lembrar de Drummond. Porque também eu, sem poesia e guardada a imensa diferença de proporção, estive e estou nesta mesma posição de um observador no escritório, lugar em que permaneço e, desconfio, será mais do que necessário continuar pelos próximos capítulos dessa história.

Aliás, sobre o presente capítulo de escolha de pessoas para cargos no futuro governo Bolsonaro, há algo interessante nos diários de Drummond que talvez sirva de alerta para escolhidos e postulantes. Em 1961, com a ascensão de João Goulart à Presidência da República, Drummond foi convidado a fazer parte da Comissão de Literatura do Conselho Nacional de Cultura, o que ele aceitou, reticente, conforme se lê da nota do dia 23 de março daquele ano: “Acho o Conselho inútil, para não dizer inconveniente”. Logo depois, na nota de 31 de maio do mesmo ano: “Na Academia Brasileira de Letras, reunião da Comissão de Literatura, do nascente Conselho Nacional de Cultura. Austregésilo de Athayde faz as honras da casa, mostrando-nos as obras de superfície e de subsolo empreendidas por ele no Petit Trianon. No porão, impressionou-me entre outras a máscara mortuária de Olavo Bilac, cabeça menor do que eu a imaginava, nariz aquilino que as fotos não deixavam perceber; bastante diferente da imagem do poeta que eu me representava. Reunião sem proveito. Nem sequer elegemos o presidente da comissão. Ao sairmos, Athayde: ‘Gostaria de ver você voltando a esta casa, mas já integrado na Academia’. ‘Obrigado, mas não desejo a morte de ninguém’, respondo-lhe rindo”.