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Sei que não há mais metafísica no mundo senão eleições. Pudesse eu votar com a mesma verdade com que tuítas! Prefiro comer chocolates, o que no meu caso é música. Aperte o play aí para ler enquanto escuta, vai, e escapemos uns minutos da insanidade diária. De nada.
Esta era uma das preferidas do meu professor de violão, a primeira que consegui tocar direito, aliás. Também, simples como poucas... Já lá se vão décadas disso.
Eu nunca aprendi muito mais do que tocar a base de qualquer música; já ele adorava solar, esquecia que era aula, inventava solos o tempo todo, viajava mesmo. Um Jack Black da Escola do Rock muitos anos antes de o filme sequer ser concebido. E eu ficava lá admirando, incapaz de imitar.
Mas nessa do Crowded House, em particular, ele também cantava, e cantava significando algo mais que nunca soube o que era. Desconfio tinha a ver com realizar sonhos. E não conseguir. E não desistir.
“E agora? E agora? Não imagine que terminou.”
Toda estrada tem fim, mas recomeço também, como a da banda Crowded House
Ele sonhava que não mesmo, ao menos enquanto tocava e cantava. Gosto de pensar que aprendi com ele a fazer isso também: sonhar cantando e tocando.
(E meu violão me olha de soslaio, faz semanas nem encosto nele.)
Ele era bastante jovem, o professor. Em torno dos 20 anos, acho. Eu, uns 10. O mundo ainda não tinha vindo com tudo para cima de mim, claro. Ainda não tinha construído aquela muralha entre sonho e “realidade”, apesar das derrotas temidas por inevitáveis.
“Há uma batalha pela frente, muitas batalhas são perdidas.”
Sempre que escuto essa música lembro dele. E sorrio, era um cara “de boa”. Continuaria sendo? Teria desistido dos sonhos, no fim das contas? Estaria apenas vivendo para “conter o dilúvio com um copo de papel”? Não sei, o realista em mim, sempre pessimista, diria que sim. O sonhador tem certeza que não e canta “mas você nunca verá o fim da estrada enquanto estiver viajando comigo.”
Mas toda estrada tem seu fim, como a de Crowded House. A banda fez sua turnê de despedida em 1996 e adivinha qual a última música tocada? Pois é, esta mesmo. E graças à internet podemos conferir tudo como se fosse agora: olha a emoção dos caras no fim, despedindo-se do público, dos sonhos realizados. Naquele tempo eu estava nos meus 20 anos, a idade que aquele professor de violão eternamente terá para mim, a época em que meus sonhos viviam em plenitude em algum lugar entre a memória e a imaginação.
Era minha vez de tentar. E tentei. E não consegui. E não desisti. Por isso sei que toda estrada tem fim, mas recomeço também, como a da banda Crowded House, que 20 anos depois retornou aos palcos no mesmo lugar em que havia se despedido, na Sydney Opera House. Ah, a internet… Confira como foi a emoção do público, dos músicos também, com o destaque que deram no fim ao verso “Sabemos que eles não nos vencerão”.
Se antes eu sonhava tocando e cantando, hoje me realizo escrevendo e escutando
Este show foi em novembro de 2016, e aí eu já estava nos meus 40 anos, tendo vivido até aquela parte da música que não entendia quando piá de tudo: “Agora ando mais uma vez ao ritmo de um tambor e estou contando os passos até a porta do teu coração. Apenas as sombras à frente, mal clareando o teto, descobrindo a sensação de libertação e alívio”. Hoje, quando escuto esta música, é esse alívio que sinto, como agora. Porque se antes eu sonhava tocando e cantando, hoje me realizo escrevendo e escutando.
A música acabou? Pois eu a coloquei no repeat, voltando ao primeiro verso cantando que “Há liberdade interior e liberdade exterior”. Pois não importa quão censurada esteja a liberdade do lado de fora – e hoje ela está muito mais limitada do que quando esta música foi lançada –, quando a do lado de dentro foi preservada e sempre pode ser alargada com coisas assim, com o poder de uma única e singela música de meros três, quatro minutos, contendo a vida inteira, do que foi ao que é, do que não foi ao que sempre será, em cada versão fazendo novos todos os “hey, now, hey, now, don’t dream it’s over”.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos