Na iniciativa privada, crises levam à falência de empresários e à demissão de empregados. Não há outro jeito senão suportar o sacrifício e procurar alternativas. No serviço público, crises levam a escorchar o povo, aumentando impostos para sustentar uma máquina inchada e ineficiente. Se agora governantes estão tentando diminuir um pouco o tamanho do Estado com ajustes fiscais, não é porque tomaram consciência de que devem servir o povo, mas porque não têm outra alternativa: o aumento da carga tributária necessário para sustentar o poder público teria de ser gigantesco.
Vinha eu falando aqui sobre vocação e disse que, no Brasil, a do serviço público é quase ignorada, sendo rebaixada a instrumento para obtenção de segurança financeira. Não são todos os servidores que fazem isso, mas a grande maioria certamente faz. Basta comparar o ardor com que a maioria luta para preservar privilégios – privilégio, sim senhor, ou vai querer me dizer que “licença-prêmio” é direito indispensável? – com o ardor das lutas por melhores condições para aqueles a quem deveriam servir. Espera, não tem como comparar. Ou alguma vez você já viu piquete de servidor contra falta de vaga em creche, falta de remédios etc.?
As cenas de selvageria a que estamos assistindo em Curitiba desde a semana passada, promovida exclusivamente por sindicalistas servidores que se recusam a aceitar outro resultado para a votação do plano de ajuste fiscal do município que não seja o da manutenção de seus privilégios, são emblemáticas. Dane-se como e quem irá pagar, o que importa é garantir “o meu”.
A irresponsabilidade sindical deixou, na segunda-feira, um saldo de dez servidores e 14 policiais militares feridos, segundo o noticiário, sendo que um soldado teve de ser operado. Mais uma vez, tal como no fatídico 29 de abril de 2015, sindicalistas tentaram invadir o local onde votaram os representantes eleitos pelo povo – goste-se ou não deles, foram eleitos – com violência, derrubando grades e avançando contra os policiais. Desta vez, porém, a reação policial não foi desmedida, o que explica termos mais policiais feridos do que servidores. Lamentável naquela vez, lamentável agora. E esse número deve aumentar nesta terça, com novos enfrentamentos previstos.
O Brasil vem passando por mudanças culturais flagrantes e a maioria da população não compra mais a versão sindicalista dos fatos, ainda que ratificada por boa parte dos formadores de opinião. Por exemplo, na atual crise, para a maioria desses “experts” a realidade pouco importa: os sindicalistas servidores estariam apenas lutando por seus direitos, a violência seria culpa da ação policial e Greca é pintado como um autoritário antidemocrata que seria o grande responsável pela falência da prefeitura porque teria mentido na campanha. Que dizer diante de tamanho descolamento da realidade?
Já reparou como quase nunca destacam os nomes dos policiais feridos, mas abundam crônicas emotivas sobre os “manifestantes” atingidos, tratados quase como heróis? E quando acharam um absurdo a votação da Câmara ser transferida à Ópera de Arame, mas nada disseram da razão pela qual ela teve de se dar lá, por culpa da violência sindical? E quantas vezes não lemos, ouvimos e assistimos culparem o atual prefeito por cortar um monte de gastos e investimentos, mas nem uma palavrinha sendo dita sobre a responsabilidade do prefeito anterior que, posando de responsável na campanha, nem sequer informou o estado real das finanças públicas e nada fez para conter o aumento de 70% na despesa bruta com pessoal enquanto a receita aumentou apenas 28%?
Eles acham que ninguém está percebendo? Que ninguém tem olhos para ver o que se passa? Pode até ser que, num passado recente, a maioria da população se deixasse levar por esse viés que se fez passar pela própria realidade, mas, como disse, o Brasil vem passando por mudanças culturais flagrantes que só não vê quem não quer. Por exemplo, uma pesquisa feita no Rio de Janeiro mostrou que 78% dos cariocas aprovam o anunciado corte de verbas públicas para o carnaval. Agora, vá ler o que os formadores de opinião disseram a respeito e só encontrará choro e ranger de dentes.
Enfim, a imprensa tem vocação para o serviço público tanto quanto os servidores, mas, como exposto, a corrupção dessa vocação se tornou a regra, infelizmente. Não é por acaso que uma pesquisa recente do Datafolha, feita semana passada, informa que, entre os jovens de 16 a 24 anos, apenas 10% confiam muito na imprensa. Ou seja, a continuar assim, é questão de tempo para boa parte da imprensa ter tanta credibilidade quanto os políticos.
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