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“Eu me perguntei: ‘Que música me faz sentir que tudo vai ficar bem?’ E é a música que eu ouvia crescendo nos anos 80. Há algo naquele som, como um cobertor de criança, que me lembra de uma época mais segura”, disse John Mayer sobre a primeira música, Last Train Home, de seu novo disco, Sob Rock.
É impossível escutar as primeiras notas do teclado e não ser transportado para lá, para os anos 80. A sonoridade é mais do que característica daquela época. E, se você faz parte da mesma geração de Mayer, que nasceu em 77, é muito provável que se sinta “em casa” aqui, entendendo perfeitamente o que ele quer dizer com “cobertor de criança” e a sensação de segurança que a nostalgia da infância traz.
E durante os 38m27s de duração do álbum lá ficamos, revisitando lugares, pessoas e momentos, conduzidos por cada música que se encaixa tão perfeitamente que por vezes até esquecemos que são novas. Sou dessa geração também, e me é possível imaginar escutando qualquer delas tocando no carro voltando da escola; ou brincando enquanto o som do rádio ligado na cozinha se misturava ao cheiro do almoço; ou sentado no sofá da sala de casa, de pijama enrolado no cobertor de segurança tal qual o Linus do Snoopy, assistindo ao Globo de Ouro.
Ao transportar o ouvinte para o universo do disco, John Mayer quis criar “memórias falsas”, fazendo lembrar do passado como se tivesse sido melhor do que de fato foi
Mas a nostalgia aqui não tem apenas esta função de ser um refúgio para tempos difíceis, ajudando a suportá-los. Mayer foi além, inspirando-se no que fez Quentin Tarantino em Era uma vez em Hollywood, talvez a obra-prima do diretor (só não afirmo que é porque não assisti a todos os filmes e alguns preciso rever para comparar). No filme, Tarantino também retrata uma outra época, a Los Angeles de 1969, contando a história que levaria ao assassinato da atriz Sharon Tate. Quem assistiu sabe o que o cineasta fez, recriando o passado. O espectador que conhece os fatos ocorridos vive, então, uma experiência semelhante à que Mayer tentou criar com seu disco.
Segundo suas próprias palavras, ao transportar o ouvinte para o universo do disco quis criar “memórias falsas”, fazendo lembrar do passado como se tivesse sido melhor do que de fato foi. E é aqui que ele alcança todas as gerações, não apenas quem tem “memórias reais” dos anos 80.
Mas seriam memórias de quê? Todas as letras falam de relacionamentos amorosos, sendo que a maioria é sobre os que deram errado. Como, então, músicas de “sofrência” do coração fariam com que sentíssemos que “tudo vai ficar bem”? Quando pela passagem do tempo elas começam a deixar de significar apenas o que se perdeu, mas também o que se viveu.
Aí entra a “memória falsa” distanciando as coisas, permitindo colocar os corações partidos do passado na perspectiva do presente que faz com que, ao vermos as cicatrizes, mais agradeçamos do que lamentemos, como se canta em Wild Blue: “E você nunca saberá a improvável beleza de deixar você partir” e “Eu me encontrei quando te perdi”.
Esta maturidade transparece também no bom humor capaz de rir de si mesmo, como se vê nas escolhas da capa do disco, nos clipes das músicas e também em várias das letras, como nos ótimos versos de Why You No Love Me: “Machuque-me uma vez, eu deixo quieto. Machuque-me uma segunda vez, está morta para mim. Três vezes faz de você alguém da família. Por que você não consegue ver que sou seu?”
Com isso, mais do que um refúgio, o disco também traz uma leveza alentadora para um tempo tão difícil quanto o atual, que se transforma em uma esperança alegre, inocente como a infância, seja a vivida nos anos 80 ou em qualquer época, mas não ingênua, porque não ignora as tristezas e derrotas já sofridas nessa vida, como se canta em I Guess I Just Feel Like: “Só acho que sinto que a piada está ficando velha / E o futuro está desaparecendo e o passado está em espera / Mas eu sei que estou aberto e sei que estou livre / E sempre vou deixar a esperança entrar onde quer que eu esteja.”
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos