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Uma banquinha de jornal. Todo sábado, pela manhã, lá íamos eu e meus irmãos levados pelo meu avô. Uma banquinha de jornal como toda e qualquer banquinha de jornal. Jornais do dia em destaque, revistas de todo tipo e tamanho enfurnadas nas prateleiras de um longo corredor. À entrada, o balcão de doces e o lugar do caixa, onde sempre ficava o Paulo, o dono da banquinha que era nossa.
Das revistinhas do Cebolinha às HQs dos super-heróis, dos álbuns de figurinhas às coleções de histórias disso ou daquilo, assim foram preenchidas as manhãs de sábado da minha infância. E os doces, esqueci dos doces: tabletes de doce-de-leite, chocolates e, na maioria das vezes, sacos de balas e chicletes. Meu avô jamais nos faltou com esses agrados.
Vejo meu avô, falecido há quase 30 anos, como se estivesse aqui e agora afundado no sofá de casa, assistindo a filmes clássicos que volta e meia assistia no Natal
Isso quando não íamos à HM, na loja da Visconde aqui em Curitiba, repleta de brinquedos de todos os tipos e tamanhos. À época do Natal, então, as lojas da HM viravam ponto turístico, pelo tanto de enfeites e decorações que não se limitavam às vitrines e interiores, mas embelezavam as ruas em torno. E lembro de meu avô passeando calmamente pelos corredores de prateleiras imensas com caixas de autoramas na parte mais alta, fazendo afagos nos cabelos das crianças, seus netos ou não, que corriam por tudo sem conseguir sossegar com nada.
E vem o tempo do Advento, mais uma vez, o tempo de fazer novas todas as coisas. E vejo meu avô, falecido há quase 30 anos, como se estivesse aqui e agora afundado no sofá de casa, assistindo a filmes clássicos que volta e meia assistia no Natal. Basta passar a cena da corrida de bigas em Ben Hur ou a passagem do Mar Vermelho em Os Dez Mandamentos em algum especial qualquer sobre cinema que lá me vem a lembrança dele. Talvez minha memória esteja me traindo, mas quando lembro dele assistindo aos filmes é sempre à espera da Missa do Galo. Se não foi assim, ficou sendo.
Quando da troca de presentes na casa dele, no dia 25, ficávamos os netos esparramados no tapete da sala de visitas, com ele sentado numa poltrona perto, de camisa social de manga curta com uma caneta no bolso, calça social e sandálias de couro, mais calado que falando, sempre sorrindo sereno, feliz com a felicidade nossa. É a imagem que guardo dele. Morreu cedo demais, meu avô.
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Quando eu devia de ter uns 10 anos, fomos fora de hora, fora do dia, àquela banquinha de jornal. Voltávamos não sei de onde com ele que, mesmo cansado, atendeu à gula dos netos. Era uma quarta-feira, fim de tarde; agora me lembrei. Uma pequena multidão na frente da banquinha. Assalto. Lá dentro o Paulo se atracava com o bandido. Levara um tiro na cabeça, ainda assim, segurava o maldito com firmeza, não deixando fugir. Agarrei-me à manga do casaco de lã cinza de meu avô, implorando para irmos embora. Largou-me e quis entrar. Meu avô era assim. Não foi preciso, a polícia chegara.
Paulo parece que viveu, a banquinha foi vendida e virou boteco de esquina. Era na esquina a banquinha. A HM faliu nos anos 90, mas meu avô não estava aqui mais para se entristecer com isso. Já eu, que carrego com muito orgulho o nome dele, troquei os brinquedos pelo smartphone, as revistinhas pelos livros, ainda incerto se fiz bom negócio. Só meu avô, Deus o tenha, continua o mesmo.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos