Cena 1: Na varanda de João Dói
(Luzes acesas. João Dói está sentado em uma cadeira de balanço, com um tablet nas mãos, pesquisando algum filme para assistir. Um ventilador antigo gira lentamente ao fundo. O som distante dos carros preenche o ambiente. João, um homem de meia-idade com um ar cínico, começa a ler em voz alta.)
João (lendo): “O título do filme 21 Gramas se refere a uma teoria sobre a perda de peso que ocorre no momento da morte. Em 1907, o médico Duncan MacDougall conduziu um experimento com seis pacientes terminais e concluiu que o corpo humano perde exatamente 21 gramas no momento da morte, o que ele interpretou como o peso da alma.” (pausa) Ora, vejam só, a alma pesa menos que um porte descriminalizado de maconha! (riso)
Cena 2: Refletindo na cozinha
(João se levanta e vai até a cozinha. Ele coloca água para ferver. A luz da cozinha é suave, criando uma atmosfera íntima.)
João (para si mesmo): Será que existe um mercado negro de almas? (imitando um vendedor) “Olha, essa aqui é pura, sem pecado, pesa 21 gramas certinho!”
(A água começa a ferver e João quase a derrama, ainda rindo. Ele se acalma e serve o café. Procura por leite condensado, mas a lata estava vazia. Curioso, confere o peso: 395 g)
Cena 3: Grupo de WhatsApp
(João retorna à varanda com seu café e um pacote de 65 g de ovinhos de amendoim da Elma Chips. Pega o tablet e digita, com um sorriso aberto, cascas de ovinhos aparecendo entre os dentes.)
João digitando (mensagem projetada na parede atrás de João): “Galera, será que agora podemos dizer que estamos carregando quase duas almas quando temos 40 gramas de erva?”
(As respostas aparecem também projetadas na parede, com emojis de “amém”, figurinhas do papa e memes de Pablo Marçal. João tira um baseado do bolso e o acende.)
Cena 4: A brisa espírita
(As luzes mudam novamente, e João participa de uma consulta espírita. DONA MARICOTA está sentada, segurando um lenço, enquanto o MÉDIUM, que é João, consulta uma balança de precisão.)
Médium (com ar grave): Dona Maricota, seu filho está bem, mas parece que a alma dele emagreceu um pouco. Está pesando só 19 gramas.
Dona Maricota (desesperada): O que isso significa, doutor?
Médium: Mais preces, minha senhora. E talvez um ou dois tapinhas na alma... ou quem sabe, um nutricionista de almas. Conheço um traficante de confiança.
(João ri novamente, a cena volta à varanda, com ele dando o último tapa no beck.)
Cena 5: João Noia
(A iluminação torna-se fria e opressiva. A cadeira de balanço parece agora um colchão de cadeia desgastado e desconfortável. João olha para o céu, mas este é sombrio e pesado.)
João (num tom amargo e reflexivo): Ah, como é irônico tentar rir das tolices do mundo, quando a própria existência parece uma piada mal contada. No entanto, aqui estamos, presos em um labirinto de regras e pesos invisíveis, onde 21 gramas de alma, 40 gramas de erva e 100 milhões de votos dados em presidentes que nomearam amigos do amigo do meu pai compartilham o mesmo espaço absurdo.
(João se mexe inquieto na cadeira, o ar ao seu redor parece mais denso, quase sufocante.)
João (para si mesmo, quase sussurrando): E se, no final, não estivermos carregando apenas almas, mas também o peso de um Estado marofado mais fominha que o Romário? Será que a liberdade de portar 40 gramas é apenas uma ilusão, uma permissão para nos perdermos ainda mais nos corredores intermináveis da burocracia e do moralismo?
(O som do ventilador aumenta, criando uma atmosfera claustrofóbica. João olha para o tablet, mas agora parece um objeto de opressão, não de diversão.)
João (com um olhar perdido): Talvez não sejamos nada além de personagens em uma peça grotesca, onde o riso é um beck momentâneo, e a alma, com seus 21 gramas, uma sombra censurada.
(As luzes piscam e a cena se distorce, revelando um cenário surreal e perturbador. De repente, João desperta na cadeira de balanço, ofegante, metamorfoseado num ministro do STF. Ele olha ao redor, confuso, percebendo que o tapa na pantera não caiu bem na alma.)
FIM
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