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Não acompanho as casas de apostas. Alguém sabe se estão pagando bem para quem tem fé que 2020, enfim, acaba junto com 2021? Ou não tem quem arrisque nisso, certo de que durará mais meio ano, pelo menos?
Tanto faz? É, eu estou neste modo também, confesso. Não, não por ter decidido “tocar o f***-se” ou aceitado “conviver com o vírus”. É simplesmente um fastio, sem decisão alguma, sem aceitação de nada.
Fastio mais parecido com o da adolescência, lembra? Aquele que costuma pegar lá pelos 17 anos, quando a impotência diante do futuro de responsabilidades e chatices da vida adulta transforma a angústia pela insegurança do que será em rancor céptico do que se “conquistará”.
Sem paciência para pensar sobre? Compreendo perfeitamente. Combine, então, a exaustão mental de Holden Caulfield, em "O Apanhador no Campo de Centeio", com o inconformismo agoniado de Jim Stark, interpretado por James Dean, em "Juventude Transviada", explodindo no grito exasperado deste último: “Vocês estão acabando comigo!”
Ainda sem entender? É o fastio, meu bom. E se entendeu, o que acontece depois do grito? Nada. Você volta a suportar a existência tal como antes, apenas liberou espaço para mais frustração e cansaço. E, com o tempo, a rebeldia sem causa se torna cinismo amargo, amortecido com o que tiver à mão para se anestesiar, como feeds de rede social.
Não é assim? Confesse, já passou por isso ou está a passar. Faz parte da vida. Às vezes são momentos, por vezes dura tanto que parece ser a realidade. Já morei por lá, hoje apenas visito quando inevitável, como neste fim de ano infindável de 2020.
Falaram que saiu um filme aí perfeito para quem está nessa “vibe”, um tal de "Don’t Look Up". Assisti. Fraquinho, bem fraquinho. Mas melhor do que os comentários sobre o filme que estão por toda parte. Raros foram aqueles que não tentaram puxar o filme para a brasa da sua sardinha, crentes de que ele seria uma sátira sobre “os outros”, mas não sobre o seu lado. Mas não precisa assistir 5 minutos de filme para perceber que de tudo um pouco é satirizado no filme.
Como cinema, é um filme esquecível em duas semanas, que é o tempo que levará para que a sátira do presente feita na obra seja substituída por outra bobagem qualquer que chamará a atenção dos adolescentes virtuais que todos somos nas redes sociais. Aliás, fomos bem satirizados no filme, tanto que a segunda cena pós-crédito com que termina o filme é todinha para nós.
Em certo momento, o personagem interpretado por Leonardo DiCaprio grita algo assim: “Como vamos conseguir nos comunicar assim?”. No fim das contas, é sobre isso, o que as reações sobre o filme apenas comprovam. A impossibilidade de comunicação atual, por diversas causas, algumas retratadas no filme, como estupidez, futilidade, politicagem, torna-nos surdos a tudo e incapazes de nos olharmos a sério no espelho.
As reações, em sua grande maioria, foram todas no melhor estilo “Não olhe para cima” e acuse os da outra “bolha” de serem os estúpidos e culpados por tudo. Mas uma sátira que abarca a todos só nos ajuda quando assumimos que fazemos parte dela. Como problema, não como solução. Como motivo de riso, de chacota, mas não de orgulho e parabenização. Não olhe para cima, olhe para si antes.
E é só o que posso desejar a ti e a todos no novo ano que chega, caro leitor. Porque, como disse Chesterton: “O objetivo de um ano novo não é que nós deveríamos ter um ano novo. É que nós deveríamos ter uma alma nova…” Como não há alma nova sem confissão humilhante, olhe para si! Obrigado pela companhia por aqui, pela paciência, pelos retornos, seja aqui na área de comentários do jornal, seja nas redes sociais. Até 2020.2!